São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Pergunta de vestibular

JOÃO SAYAD

O problema do desemprego e da distribuição de renda é quase um quebra-cabeças nos dias em que estamos vivendo. Apesar das preocupações do presidente sobre o assunto e as intenções dos sindicatos em fazer um pacto sobre o emprego, a questão é muito difícil e controversa.
Há duas visões diferentes sobre trabalho e emprego. Os admiradores das novas tecnologias, particularmente alguns professores de Harvard, dão asas à imaginação de como será o futuro quando o trabalho puder ser feito em casa, em poucas horas, de forma agradável, sem repetição.
É um futuro parecido com o presente dos funcionários da Microsoft, pós-graduados, inteligentes, jogam basquete no escritório, almoçam no jardim da fábrica e produzem uma nova idéia por mês.
Pode-se ler quanta coisa boa o futuro nos reserva nos livros de Peter Drucker ("Sociedade Pós Capitalista") ou nas maravilhas da era da informação e comunicação no livro de Negroponte ("A Vida Digital"). Outros autores como Roberto Kurz ("O Colapso da Modernização") vêem um futuro sombrio.
Suponha um país qualquer, que tenha uma distribuição de renda bastante desigual e uma elevada taxa de desemprego no final do século 20. Como resolver o problema do desemprego e distribuição de renda, sabendo que:
a) o capital é móvel. Evidentemente, máquinas, prédios, pontes e estradas não saem do lugar. Mas desde os anos 70, os títulos de crédito que representam a propriedade deste capital, como ações, certificados de depósitos, debêntures etc, são extremamente móveis.
Com o fim das regulamentações do mercado financeiro a partir dos anos 80, o capital fictício, como alguns chamam, voa rapidamente de um país para outro, procurando a maior taxa de lucro. O país fica com as máquinas velhas, que não podem ser transportadas e com uma crise financeira que impede os empresários de fazerem novos investimentos e construírem novas máquinas;
b) os países concorrem entre si para que o capital não fuja para outros países. Se as estradas não forem boas, os trabalhadores reivindicarem demais ou as minorias forem radicais, o capital sai correndo para plagas mais seguras. Igualmente, se os impostos forem mais altos que em outros países, o capital vai embora.
c) o problema do desemprego e da exclusão requer gastos públicos em educação e em infra-estrutura ou política de redistribuição de renda. Os investimentos em educação e em infra-estrutura são gastos públicos porque é muito difícil cobrar por estes serviços. Se cobrar, os serviços são direcionados apenas para os ricos.
Não existe nenhum investimento importante para os favelados do Brasil ou os Chiappas do México. As políticas de redistribuição de renda esbarram na incapacidade de cobrar impostos sobre o capital que pode sempre fugir para um lugar que tenha menos excluídos ou excluídos mais fracos politicamente e que não reivindicam gastos do governo. Lembre do presidente do Congresso americano brigando com o presidente Clinton para cortar gastos sociais.
Qual das alternativas abaixo resolve o desemprego ou a má distribuição de renda?
1 - Tributar a produção em geral e pagar um salário para os desempregados.
Resposta: totalmente errada. Se aumentar os impostos sobre a produção, quem paga é o capital e o trabalho. Se o trabalho pagar, a distribuição de renda piora. Se o capital pagar, vai embora para países que não tenham ou não ligam para os seus problemas de desemprego. Menos capital, menos emprego. A alternativa ou aumenta o desemprego ou piora a distribuição de renda.
2 - Tributar o próprio trabalho para pagar um salário para o desempregado.
Resposta: está certo, dá para fazer. O trabalhador empregado paga mais impostos e financia o trabalhador desempregado. Podemos chamar esta solução de socialismo de uma classe só. Parece com as reformas de previdência que têm ocorrido nos países desenvolvidos.
3 - Não tributar ninguém e cortar os gastos do governo.
Resposta: é a solução populista. Problema: as maiores despesas do governo no Brasil e em vários países do mundo são os juros. Se os juros forem menores, o capital pode ir embora. O corte de funcionários gera desemprego do setor público que se soma ao do setor privado. Muitos dariam a resposta como certa. Sou cético: a economia de gastos não é suficiente para os gastos com os desempregados.
4 - Abaixar o salário.
Resposta: parece óbvio, mas a resposta não serve. Piora a distribuição de renda e não aumenta o emprego porque reduz a demanda.
5 - Abaixar o custo da mão-de-obra retirando os encargos sociais.
Resposta: esta, segundo a Folha, foi a proposta que o presidente fez quando estava na Índia. Mas quem vai pagar pelos aposentados e qual o sentido da reforma da Previdência se cortamos as contribuições dos trabalhadores? Só pode dar certo se o governo estiver disposto a incorrer num déficit público para financiar a previdência.
6 - Aumentar a produtividade do capital com novas tecnologias.
Resposta: tem que ser feito, não podemos tirar cópia com mimeógrafo e proibir o xerox para proteger o emprego de alguns. Não se pode esquecer que o objetivo não é trabalhar, mas viver. Mas quando aumenta a produtividade do capital, menos trabalhadores são necessários e o desemprego pode aumentar.
Vejam os dados da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e o desempenho recente do Brasil. Por outro lado, se a produtividade do capital aumentar porque as estradas são melhores, os portos mais rápidos, os telefones mais eficientes, pode entrar capital. É a solução do tipo custo Brasil. Entra mais capital, aumenta o emprego. O capital usa menos mão-de-obra, diminui o emprego. Torça para a resposta dar certo.
6 - Permitir a emigração da mão-de-obra para outros países.
Resposta: está certo, resolve o desemprego no país em questão mas agrava o desemprego dos outros países, como é o caso dos "dekassegues" brasileiros no Japão. Não se pode esquecer que a mão-de-obra emigrante pode ter religião, de cor de pele e língua nativa que pode irritar profundamente os desempregados do país para onde foram, gerar revoltas, terrorismo e acabar requerendo gastos públicos com segurança.
7 - Nenhuma das acima. Parece a melhor resposta, mostra com clareza a inexistência de soluções para o desemprego quando o capital procura maximizar sua taxa de lucro economizando mão-de-obra e tem alta mobilidade.

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