São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Aposentadoria

DARCY RIBEIRO

Uma pessoa trabalha a vida inteira, envelhece no serviço, descontando todo santo mês uma parcela de seu salário, para ter direito a uma velhice sem fome nem vexame.
O governo recolhe o dinheiro, embolsa e, na hora de pagar ao aposentado, sai com conversa fiada. Gastou em despesas inadiáveis lá dele. Emprestou a amigo falido. Ou aplicou na aposentadoria de quem nem trabalhou nem descontou. Às vezes, alega tão só que o caixa está baixo, se pagar à multidão de aposentados irá à falência.
Ora, falido já está. Em parte, pela decisão que tomou de quebrar a regra básica da aposentadoria, mandando dar um salário mínimo aos brasileiros que alcançam vivos os 70 anos. Muito bom, muito justo, mas a generosidade teria que sair da burra do governo e não das economias dos contribuintes.
Toda a questão em discussão no Congresso é estabelecer uma regra clara, atuarial, que saneie a Previdência. Por exemplo, a regra dos 90, que aposenta quem tem 60 anos de idade e 30 de trabalho ou contribuições, ou qualquer outra combinação que some 90. Exigência dura, é verdade, mas justa e clara. Se for aplicada, ninguém se aposentará por privilégios especiais, como os juízes classistas, que se aposentam com cinco anos de trabalho; parlamentares, que se jubilam com oito anos de mandato; professores e tecnocratas, de quem só se exige 25 anos de contribuição.
O certo é que um número escandaloso de pessoas se aposenta com menos de 50 anos de idade, como os funcionários, jornalistas e catedráticos. Estes últimos até exigindo das universidades que os aposentem com 120% de seus salários. Uma mamata.
Em nenhuma dessas profissões privilegiadas se trabalha mais que nas comuns. Ao contrário, têm mais férias, mais folgas, mais licenças remuneradas. Querem consagrar suas aposentadorias especiais na Constituição, passando por cima de todos os trabalhadores brasileiros e, ainda, impondo a esses exigências especiosas para se aposentarem.
Esse debate dos privilégios da aposentadoria retrata bem uma característica típica da sociedade brasileira. Aqui, as classes médias abocanham tudo que podem, tirando vantagens à custa da miséria do povão. Ninguém se comove, de fato, com uma criança faminta ou com um jovem condenado ao analfabetismo. Contanto que os filhos da gente de bem comam fartamente e estudem em boas escolas, o resto não importa.
A luta de Vicentinho com o PT é a boa causa. Ele admite que os trabalhadores se aposentem não só por tempo de serviço, mas também por tempo de contribuição. Medida que viria a fortalecer a Previdência em benefício de todos, sem prejuízo de ninguém. Exceto dos que podem manobrar para alegar décadas de trabalho que não trabalharam, sem contribuições à Previdência porque esta não cobrou deles. Vicentinho exigiu, também, diversas medidas de controle dos dinheiros da Previdência pelos trabalhadores industriais e rurais. Tudo muito bom, acho eu.

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