São Paulo, segunda-feira, 5 de fevereiro de 1996
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Sobre subir em palanques

ALBERTO GOLDMAN

Nas últimas semanas, a imprensa brasileira tem noticiado uma curiosa discussão que envolve o governo federal e os partidos políticos: os ministros de Fernando Henrique Cardoso vão ou não "subir nos palanques" das eleições municipais?
Posso imaginar a reação do cidadão comum que se pergunta: o que é que "nóis" povo temos a ver com isso? Afinal, no meio da discussão sobre Previdência, reforma administrativa, estabilidade, emprego e desemprego, mensalidades escolares e outras coisas do dia-a-dia, que diabos fazem os nossos dirigentes, qual é a deles?
O fato é que essa discussão pública amesquinha a atividade política. Claro que é um problema interno, das forças que apóiam o presidente da República, da sua base de sustentação no Congresso Nacional. Muitos deputados e senadores serão candidatos e, em alguns casos, políticos que seguem na mesma direção nas questões nacionais se confrontarão nos municípios. São questões que se resolverão caso a caso e isto interessa ao governo.
No entanto, para um partido político como um todo, e penso especificamente no PMDB, essa questão não pode ser posta na forma que vem se apresentando. Tem passado para a população a imagem de que a relação do partido com o governo depende dos interesses eleitorais mais ou menos atendidos.
Parece que colocamos em posição secundária as grandes questões nacionais, que não é por elas que balizamos a nossa ação política e a nossa relação com o governo e que, em troca de omissão dos ministros tucanos ou pefelistas na campanha eleitoral, estaríamos satisfeitos com o nosso papel na atual conjuntura política.
Dito de outra forma: se, em São Paulo, o Serjão subir no palanque tucano, nós vamos romper com o FHC. Caso contrário, tudo está bem. Quero dizer, em primeiro lugar, que não temo ninguém, nem o Serjão no palanque adversário. A não ser pelo fato de, por querê-lo bem, sugiro o reforço do palanque para evitar qualquer acidente.
Além disso, não vejo qualquer possibilidade dele poder angariar votos do cidadão paulistano para um candidato, até porque ele não os tem. Ou melhor, ninguém tem a "propriedade dos votos". O eleitor é muito mais inteligente e perspicaz do que se imagina.
Temo muito mais a sua caneta, usada em seu gabinete, angariando fundos e adesões, mas aí a questão já extrapolaria o campo eleitoral e passaria para o campo ético-político e até para o campo policial.
Em segundo lugar, a presença dos ministros nas campanhas eleitorais -sem a caneta correspondente- é benéfica na medida em que eles se apresentam de corpo inteiro e assumem um discurso perante o povo sobre o qual eles exercem responsabilidades de governo.
Finalmente, se o partido tem o que mostrar, e nós temos, não tem nada a temer. Pelo contrário, gostaria muito de ver em meu palanque o atual ministro dos Transportes, Odacir Klein, para que ele testemunhasse sobre o meu trabalho no período em que ocupei aquele cargo.
E o ministro da Justiça, Nelson Jobim, do qual fui relator adjunto durante a frustrada revisão constitucional, quando redigia as reformas da ordem econômica, hoje já aprovadas pelo Congresso Nacional.
Os ministros são entes políticos, não simples burocratas. Sua presença no processo eleitoral é a afirmação da democracia em nosso país. Claro que devem agir dentro dos limites adequados à sua função pública, levando em conta suas responsabilidades na manutenção da estabilidade do governo. Porque, em caso contrário, colocarão em risco seu próprio futuro político e as possibilidades de sucesso do presidente.
Enfim, gostaria que esse tema tivesse sua verdadeira dimensão. Pequena, secundária e vista sob o ângulo dos interesses do país, pois o essencial é a atuação do ministro, seu papel na administração pública e na construção da democracia.

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