São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Caso de intervenção

JANIO DE FREITAS

A derrota de Marcello Alencar, revogando o decreto inconstitucional com que autorizava o banco Bozano, Simonsen a vender bens do Banerj sem concorrência pública, encerra um só aspecto do suspeito negócio que entregou o banco estadual à administração por um banco privado. Outros, menos evidentes mas não menos graves, sobrevivem à espera das verificações indispensáveis.
O Banerj foi posto sob intervenção do Banco Central juntamente com o Banespa. Quando da licitação para entrega do banco fluminense à administração privada, ganha pelo Bozano, Simonsen com a oferta exótica de apenas R$ 0,01 para o Estado e mais 20% dos supostos lucros futuros, o BC ainda detinha responsabilidade direta sobre o Banerj como interventor. Deu sua benção à operação dos Alencar, o pai e o filho secretário de Planejamento, Marco Aurélio.
Ninguém tomou conhecimento do contrato entre o governo estadual e o banco privado. Houve apenas um protocolo assinado em 2 de janeiro, no qual o governador se comprometia a mandar ao Tribunal de Contas do Estado, em cinco dias, os termos do contrato. Jamais os mandou. Há uma semana, ao chegarem ao Banerj para acompanhar as atividades ali do Bozano, Simonsen, de maneira a impedir compras e vendas sem concorrência, técnicos do TCE começaram por pedir o contrato. Foram informados de que nem existia, por haver pontos a serem ainda definidos entre o governo e o banco privado.
Estava configurada uma situação de absoluta e grave ilegalidade. Marco Aurélio Alencar não pôde dizer mais do que o insuficiente: "O contrato existe e em alguns dias será mostrado". Quem tem e é posto em dúvida, mostra. Mas tudo o que o governo fez publicar no "Diário Oficial" do RJ, na sexta-feira, foi um alegado extrato do contrato desconhecido, ou inexistente.
Um banco de propriedade do Estado, com a dimensão do Banerj, está entregue à administração e aos negócios de um grupo privado sem que haja ao menos um contrato conhecido entre as duas partes. Esse uso de um bem público justifica até a intervenção federal no Estado do Rio, e talvez também no Bozano, Simonsen. Mas o Banco Central não se manifesta nem sobre as transgressões frontais à legislação do sistema financeiro, que lhe cabe proteger.
Já conivente com o suspeito negócio de cessão do Banerj sob o gaiato regime de "privatização temporária", o BC torna-se conivente, por omissão, com tudo o que está decorrendo da ilegalidade básica. E BC quer dizer governo federal.
Parte da conivência do BC deve-se à sua própria natureza, tão desnudada nos casos do Econômico e do Nacional. A outra parte deve-se a que Marcello Alencar é um dos governadores do PSDB, e o apego do governo federal às leis e à moralidade administrativa tem limites, também exibidos nos tratamentos diferentes àqueles dois bancos. O governo fluminense não foge à mesma flexibilidade. Não houvesse outros inúmeros exemplos, um diria tudo a respeito.
É a maneira como será apurado o lucro feito pelo Banerj administrado pelo Bozano, Simonsen, do qual seriam extraídos os 20% pagáveis ao Estado: o lucro seria auditado por consultoria contratada sem licitação e, ainda por cima, escolhida pelo próprio Bozano, Simonsen.
E, em se tratando de assaltos no Rio, só os de autoria de favelados têm tratamento de fatos criminosos e escandalosos.

Texto Anterior: Prefeitos pressionam Congresso
Próximo Texto: Empresa dos EUA nega compra de reservas na Argentina e Peru
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.