São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Congresso discute pós-modernismo cubano

KATIA CANTON
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE HAVANA

"Vamos resistir, estamos resistindo, seguiremos resistindo". Com essa frase, o vice-ministro da Cultura de Cuba, Armando Méndez Vila inaugurou o Congresso Latino-Americano y Caribeño de Eseñanza Artística.
Realizado pelo Ministério da Cultura cubano e pela Unesco, o encontro reuniu, entre 30 de janeiro e 2 de fevereiro, no Palácio das Convenções de Havana, artistas, críticos e educadores de Cuba, Argentina, Brasil, Venezuela, Chile, Colômbia, Uruguai e México.
A idéia era redefinir o patrimônio cultural e artístico produzido na América Latina contemporânea.
Eleita, na Conferência Mundial da Unesco, em Paris, em outubro de 1995, um modelo na educação e na produção artística para todos os demais países latino-americanos, Cuba tornou-se a berlinda de discussão sobre o futuro da arte.
Na Cuba de hoje falta tudo, de azeite a papel higiênico, de pão e leite a tintas e pincéis. Mas a cultura permanece prioridade máxima, perpetuando-se com uma teimosia heróica.
E, se 90% da produção artística e cultural rezam na cartilha oficial que desde a revolução de 1959 organizou um sistema de educação artística tão eficiente quanto rígido, há um outro caminho, original e provocativo, que começa a ser trilhado por alguns artistas.
Os críticos locais batizam esse movimento de pós-modernismo cubano.
Pós-modernidade
O foco do sistema artístico oficial se baseia na disciplina e no apuro técnico. O objetivo, segundo o governo, é formar seres humanos melhores.
Mesmo num momento extremo da escassez e isolamento, o governo cubano continua pagando um salário a bailarinos, atores, músicos e artistas plásticos, que varia de 200 a 400 dólares mensais.
O balé, desde o início cartão postal do socialismo cubano, ganhou lugar de honra com Alicia Alonso, fundadora do Balé Nacional de Cuba. Sediado no Teatro Municipal Garcia Lorca, em Havana, ele divide o orgulho nacional com outras duas companhias: o Grupo Moderno e o Balé Folclórico.
O quadro se repete na música, onde mais de dez orquestras nacionais e grupos musicais são gerenciados pelo Estado, da execução da música clássica à salsa. Artistas plásticos que utilizam ateliês públicos se comprometem a reverter parte das vendas de suas obras ao governo.
Equilibrando dignidade com um ranço de obsessão pela idoneidade cultural, o sistema artístico institucionalizado corre o risco de perpetuar um anacronismo que, cada vez mais, isola Cuba de um mundo em globalização.
O pós-modernismo cubano é o contraponto desse cenário.
A professora de literatura contemporânea da Universidade de Havana Margarita Mateo apresentou a produção de jovens poetas e escritores que reciclam clássicos da literatura mundial, sobrepondo-os à realidade cubana. Carlos Afonso e Omar Perez são alguns desses nomes.
"Críticos norte-americanos como Fredric Jameson associam o pós-modernismo com as sociedades pós-industriais. Mas esse conceito terá que ser revisto, pois os latino-americanos que foram colonizados, trazem as características da intertextualidade, da simulação, da ironia há muito tempo. Somos nós que devemos devolver o pós-modernismo, já mais conscientizados, ao Primeiro-Mundo", defende a professora.
Maeto apontou, no panorama da escassez, estratégias urbanas pós-modernas.
Estratégias
O grafite, que prolifera em Cuba, serve aqui não apenas como "tela" de expressão pública, mas também como um elemento estético fundamental, interferindo nas paredes em ruínas, já que não há tinta no país para pintá-las e conservá-las.
Outra mídia em crescimento é a tatuagem corporal. Na falta de papel e de tinta, o corpo se torna um veículo de expressão onde podem caber não apenas imagens como também textos poéticos e políticos.
"É uma apropriação cubana de uma prática que se tornou modismo no Primeiro Mundo", resume Margarita Mateo.
Lupe Alvaréz, crítica de arte e professora do Instituto Superior de Arte de Havana, aponta tendências de jovens artistas plásticos cubanos.
"Há uma arte cubana contemporânea e conceitual que usa técnicas e métodos de arte já conhecidos, como a pintura de gênero, o retrato, o pontilhismo e tira partido delas com humor e crítica social".
A crítica aponta uma volta ao interesse pela técnica e pela mais tradicional das mídias: a pintura.
"A nova geração de artistas, que têm de 20 a 25 anos, se coloca como sujeito e também objeto da história da arte", diz Alvaréz.
Ela cita o trabalho de Douglas Pérez, 23 anos, que refaz quadros épicos da história cubana interferindo neles com personagens de seu próprio cotidiano.
Luis Enrique Camejo, 24, refaz inovações técnicas da vanguarda européia -do impressionismo ao pontilhismo- para comentar cenas políticas cubanas dos últimos 30 anos.
O artista coloca personagens intocáveis e sacralizados da história cubana, como o líder José Marti, transfigurado na imagem de um halterofilista.
Entre o comitê brasileiro que participou do Congresso estão a artista plástica Lilian Amaral, a professora da Universidade do Piauí Leda Guimarães e o professor da Universidade do Rio Grande do Sul Raimundo Martins.

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