São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Ciclo exibe 48 novos curtas paulistas

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Começa hoje no Museu da Imagem e do Som (MIS) -e a partir de amanhã se estende ao Centro Cultural São Paulo- a nona edição da mostra "O Cinema Cultural Paulista", que vai exibir até domingo 48 curtas-metragens produzidos em São Paulo nos últimos 12 meses.
Na programação estão filmes premiados, como "Criaturas que Nasciam em Segredo", de Chico Teixeira, "Glaura", de Guilherme de Almeida Prado, e "Caligrama", de Eliane Caffé.
A abertura, hoje, concentra quatro títulos inéditos, recém-finalizados, e dá uma boa idéia da diversidade da produção.
" A Escada", de Philippe Barcinski, projeto curricular do curso de cinema da ECA-USP, é o melhor do dia.
Rodado em 16 milímetros, em preto-e-branco, coloca em cena um único personagem (Luciano Chirolli), num único cenário (uma escadaria), sem diálogos nem locução -só música (a Bachiana nº 4, de Villa-Lobos). O homem sobe os degraus, se cansa, pára, percebe que não saiu do lugar, volta a subir, pára, sobe de novo, vê que não avançou, cai, rola escada abaixo etc.
O diretor diz ter-se inspirado no mito grego de Sísifo e na gravura "Subida e Descida", de Escher. Isso importa pouco. O importante é que são cinco minutos de puro cinema. Só a linguagem cinematográfica, operada de modo preciso e inventivo, pode criar um espaço virtual e uma duração fora do tempo como em " A Escada".
Não há nada de literatura ou teatro aqui. A angústia, a tensão, o sentimento de impotência, tudo é criado a partir da decupagem, da montagem, do ritmo.
"Que Deus Te Guie", de Geórgia Costa Araújo, outro projeto curricular da ECA, trabalha também com a economia narrativa, embora sem a mesma radicalidade.
Numa choça à beira de um rio, uma mulher tenta trabalhar enquanto sua filha extrai sons roufenhos de um velho berimbau. A tensão cresce até que a mulher, acompanhada do outro filho, leva a menina incômoda até o meio do rio e a deixa lá, num bote.
Já em "História do Futuro", de Sorahia Segall, o que se destaca é a amplitude do assunto: o embate entre o padre jesuíta Antonio Vieira (1608-97) e a Inquisição, que o prende e silencia em Coimbra.
Com uma pesquisa rigorosa, uma eficaz reconstituição de atmosfera e uma boa interpretação dos atores Tácito Rocha (Vieira) e José Rubens Chachá (inquisidor), o filme só peca pela falta de ousadia narrativa, talvez por excessivo respeito à seriedade do tema.
" Almoço Executivo", de Marina Person e Jorge Espírito Santo, é uma vívida crônica de costumes.
Numa movimentada praça paulistana, um yuppie pára seu BMW diante de uma obra em construção e vai almoçar num restaurante caro. Chega um caminhão de material para a obra e cria-se a confusão no trânsito e no restaurante.
A situação é expressiva, algumas piadas são engraçadas, há uma boa recriação do caos urbano, mas o problema do filme é ser ele próprio visualmente confuso.
Faltou talvez um planejamento mais detido das tomadas, defeito que a excelente montagem (de Cristina Amaral) não pôde superar. O jogo de campo/contracampo não está muito bem feito, e o espectador fica frequentemente perdido, sem saber onde está o ponto de vista. Mesmo assim, é uma estréia animadora de dois cineastas cheios de idéias e energia.

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