São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Universidade-Estado: para aonde vamos?

LUIZ FELIPPE PERRET SERPA

A crise orçamentária e de recursos humanos que as universidades federais vêm passando não é só uma continuidade linear das políticas de governo que, desde a década de 80, restringem os investimentos no ensino superior público. As relações universidade/Estado estão em vias de uma mudança qualitativa e radical, e esse deve ser o foco de nossas avaliações e projeções fundamentais.
As dificuldades ou os impedimentos na reposição dos quadros docente e técnico-administrativo, mais toda a questão orçamentária e financeira das universidades, devem ser olhadas sob o prisma de uma dinâmica que deverá culminar nessa mudança qualitativa das relações Estado/universidade.
A reforma do Estado pelo governo federal, ora em discussão, considera como serviços exclusivos do Estado a justiça, a segurança, os tributos e as Forças Armadas. Esses terão quadros estatutários, profissionais funcionários públicos. Todas as demais funções do Estado que têm concorrentes na iniciativa privada, como a educação, são consideradas não-exclusivas, e terão alteradas as suas definições e funcionamento em relação ao Estado.
Quanto às universidades uma comissão do MEC está construindo um anteprojeto de lei para a autonomia das universidades em geral, incluindo o sistema público e privado, e um anteprojeto de lei de autonomia financeira específico para as universidades federais a ser apresentado aos reitores em março, com um cronograma de discussão.
O governo tem a expectativa de encaminhá-lo ao Congresso Nacional entre os meses de junho e julho de 96, para ser votado, e a ser implementado já em 97. A perspectiva que temos, portanto, é de uma mudança radical na relação universidade/Estado a partir de 97.
Depreende-se uma posição do Ministério da Educação que prevê as universidades com autonomia financeira, mas ainda como uma instituição pública estatal; há uma outra posição do Ministério da Administração, relacionada com a reforma do Estado, que argumenta ser impossível autonomia financeira ou autonomia geral das universidades federais públicas, mantendo-as estatais, submetidas, por exemplo, às leis de licitação, ao controle do Ministério da Administração sobre os cargos públicos e ao controle orçamentário e financeiro da Seplan e do Ministério da Fazenda.
Diante desses fatos pode-se antever nas universidades, em 96, as mesmas dificuldades orçamentárias, financeiras e de recursos humanos de 1995, até que se implante a autonomia pretendida no projeto de lei. Qual delas?
Na perspectiva do Ministério, cada universidade, a partir das novas definições, deverá apresentar um plano de gestão, com metas, cronogramas e orçamento definidos que servirão de base para seu orçamento global. As avaliações do cumprimento das metas estabelecidas deverão refletir nos orçamentos posteriores dessas universidades.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (substitutivo Darcy Ribeiro), já aprovada pelo plenário do Senado em primeira votação, a cada cinco anos haverá uma avaliação das universidades e de seus custos. Aquelas que não satisfizerem as expectativas ou os compromissos assumidos poderão ser reduzidas ou extintas ou ainda transformadas em "centros de ensino superior". Essa é a síntese do que se pode concluir hoje sobre os projetos e anúncios da política de governo para as universidades.
É fundamental, neste momento, em face da própria crise de totalidade, aprofundamos a relação universidade/sociedade. Ambas precisam promover, em 96, um grande espaço para interlocução, visando avaliar conjuntamente essas iniciativas do governo federal, seja na hipótese do Ministério da Educação e dos Desportos, seja na hipótese do Mare, que objetiva transformar as universidades em instituições de direito privado com financiamento público.
O que não podemos, enquanto sociedade, é ter um encaminhamento da relação Estado/universidade que coloque em risco o patrimônio da sociedade, formado pelo sistema federal público de ensino superior.
Para esse debate amplo faz-se necessária a plena consciência da universidade acerca da irreversibilidade das mudanças -em algum nível- na relação Estado/universidade. Qualquer pretensão de continuidade da relação básica universidade/Estado, no que diz respeito ao sistema federal público, como atualmente, só terá sucesso se a sociedade brasileira organizada demonstrar força, clareza da importância das universidades federais para o desenvolvimento econômico e social do país e espírito de cidadania.
Cabe, portanto, além de divulgar a relevante produção das universidades federais, estimular a dimensão de cidadania, de participação coletiva, para chegarmos a essa ampla discussão, inclusive para encaminharmos proposições de novas relações da universidade com o Estado, preservando a dinâmica de ensino superior público e inaugurando uma forte relação universidade/sociedade. Como dizia o grande mestre Anísio Teixeira "a sociedade é maior do que o Estado".
No plano interno de cada universidade será urgente rever toda a estrutura administrativa e a sua estrutura acadêmica para proceder a uma mudança institucional, capaz de resultar em uma universidade que tenha superado o corporativismo e suas fragilidades históricas visíveis.
Precisamos tornar a universidade federal pública uma instituição com atividades de alta relevância e eficácia, com seus quadros envolvidos no trabalho, na formação e na produção, e com um grande sentido de pertinência à sociedade onde se insere e sintonizada com os novos tempos, a fim de construirmos uma nova sociedade que supere a crise dos limites históricos da modernidade.

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