São Paulo, terça-feira, 6 de fevereiro de 1996
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Quem paga a conta é você

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

A revista "IstoÉ" de 10/1 publicou a reportagem "Universidade-Anistia S/A", que esclarece alguns problemas que ocorrem em universidades mantidas pela União, quase todas em estado falimentar. Para quem não a leu, esclareço que trata de professores universitários que "ganham milhões alegando falsas perseguições políticas".
Por ter sido reitor e vice-reitor da Universidade de Brasília por longo período, e por essa instituição estar citada com alto número de "anistiados", julgo ser meu dever detalhar passagens da competente reportagem no que se refere à UnB e agradecer à Folha por abrigar estas notas, o que fez porque lhe interessa sempre a verdade.
Entre 17/11/1967 e 13/3/1985 a UnB teve por reitores os drs. Caio Benjamin Dias, Amadeu Cury e eu próprio, e nesse período ali não houve um só "perseguido"; por também ter sido vice-reitor dos profs. Caio e Cury, sei que em nenhum momento houve contratações ou demissões por motivos políticos ou ideológicos ou ingerência de órgão estranho, aí incluídos o MEC, a Presidência da República e o SNI.
Naquele período, entre as maiores instituições pelo menos, a UnB foi a única onde não houve professores ou servidores atingidos por Ato Institucional ou pelo DL 477. Mas a "Istoé" registra que houve na Unb 273 "anistiados" e o atual reitor, João Cláudio Todorov, que se esforça por salvá-la do caos deixado por seus dois últimos antecessores, parece resignado ao admitir que tal processo de "anistia" continuará "per omnia saecula saeculorum". O contribuinte pagará tudo.
Entre 1967 e 1985, quando a UnB foi toda construída, equipada e institucionalizada (antes nunca existiu), houve inúmeras demissões por motivos acadêmicos -caso de professores- ou administrativos e, tal como agora, a UnB estava falida, desacreditada, era cabide de emprego e devia o equivalente a um orçamento anual.
As demissões ocorreram sempre por iniciativa dos institutos e departamentos; a isso, aos professores e servidores -e ao fato de ter sido dirigida por um Conselho da Fundação integrada pelas figuras mais representativas da vida brasileira- se devem o prestígio e a respeitabilidade acadêmica que adquiriu e veio a perder depois de 1985.
Todos foram afastados em obediência à CLT, receberam tudo o que era devido e nenhum contestou na Justiça. Por isso muitos ficaram perplexos ao saber o nome de alguns desses "anistiados", cujas indenizações, acrescidas de promoções, contagens de tempo e aposentadorias são pagas pelo indefeso e anônimo contribuinte.
Eis alguns exemplos elucidativos. Luís F. G. Laboriau foi contratado pela UnB por não saber que ele não supria a exigência legal de possuir diploma de curso superior, razão pela qual nenhuma universidade o havia antes contratado; passados dois anos a reitoria recebeu uma solicitação formal do departamento, do instituto e da quase totalidade dos professores para demiti-lo, pelos mesmos motivos que haviam levado à sua demissão de outras instituições.
Foi mencionado o caso do diploma, mas ele não foi demitido: demitiu-se e, com pompa e circunstância de "cientista perseguido", foi "anistiado". Flávio R. Kõthe possuía contrato de prazo fixo que não foi renovado por solicitação do departamento; requereu e foi anistiado. Helena Barcellos, sempre beneficiada pela reitoria, teve sua demissão requerida pelo departamento por acumulação de emprego; requereu e foi "anistiada".
Houve ainda o caso do médico Antônio Márcio Lisboa, que moveu uma ação contra a UnB e a perdeu no TST; ao baixarem os autos para a execução e induzindo a erro o Juizado de Primeira Instância, a UnB fez um "acordo" e lhe pagou vultosa indenização.
Devido à denúncia inicialmente feita pelo presidente da Comissão de Defesa dos Direitos do Cidadão, e ao contrário do que dizem alguns, o processo está em diligência no TCU "para que possam ser acostadas aos autos cópias das sentenças da Justiça do Trabalho acerca da matéria, reclamadas pelo D. Ministério junto ao Tribunal, necessárias ao completo esclarecimento das questões que suscita.".
Há ainda os casos dos que foram anistiados por terem saído da UnB em 1965, assunto sobre o qual me calo por não me dizer respeito, mas, por serem verdadeiros, assinalo três fatos: houve um pedido de demissão coletiva em 1965 (a UnB estava falida e consistia num amontoado de barracos) motivada pela reapresentação do prof. Roberto De Las Casas ao órgão de origem.
Nas administrações de Caio, Amadeu e Azevedo nunca houve restrição à recontratação de qualquer dessas pessoas e muitos o foram, caso do atual reitor Todorov e do geólogo Onildo J. Marins, e a própria reitoria, no início dos anos 80, ouviu o Departamento de Comunicações sobre a recontratação do prof. De Las Casas, que não foi aceita. O outro fato refere-se à "anistia universitária" do senador Darcy Ribeiro, que consta da lista de marajás divulgada pelo governo e merece breve comentário.
Creia, leitor, esses processos de "anistia" na UnB são conduzidos internamente por uma só pessoa, professora Geralda Dias Aparecida; apesar de não conhecê-la, sei que foi demitida da UnB por insuficiência acadêmica, à época em que seus diretores eram os mais conceituados antropólogos brasileiros.
Custa crer que decisões desse porte, que até juízo de valor envolvem, além de despesas com dinheiro público, sejam tomadas solitária e unilateralmente, pois é a existência do contraditório que possibilita a aplicação correta e isenta da justiça. Como nada disso houve, resta ao contribuinte apenas pagar a fatura.
Aos tais "pareceres" da profa. Geralda ninguém tem acesso. Quanto ao senador Ribeiro, que integra a lista dos marajás como aposentado pela UFRJ e UnB, nunca foi professor da UnB.
É verdade que por lá passou durante alguns meses, em vilegiatura na reitoria, mas como requisitado da UFRJ, especificamente do Museu Nacional, por meio do Inep; era esse o registro que havia na UnB, com a qual ele nunca teve vínculo de emprego, nunca deu uma aula e fica difícil entender como possa ter trabalhado nas duas universidades concomitantemente e sem ter tido vínculo de emprego com uma delas.
Certa feita, Anísio Teixeira disse que basta ir para a UnB para ser "cientista perseguido". Lá, onde estiver, deve estar morrendo de rir. Ou de vergonha.

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