São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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O ministério, o Cade e o caos

LUÍS NASSIF

Direito econômico é matéria importante demais para ficar nas mãos do Ministério da Justiça. Basta conferir esses conflitos intermináveis entre o Conselho Administrativo de Direito Econômico (Cade) e o ministério, e a decisão controvertida do ministro Nelson Jobim, de atropelar todos os pareceres técnicos que condenavam a compra da Kolynos pelo Colgate.
Em economias de mercado é fundamental o combate a toda forma de oligopólio, público ou privado. O primado do mercado é preservar o poder soberano do consumidor.
Um consumidor exigente obriga as empresas a melhorarem a qualidade e os preços de seus produtos, abre oportunidades para novos empreendedores que podem atuar sobre áreas de insatisfação, induzindo a um aumento geral da eficiência da economia.
Para exercer esse papel, no entanto, o consumidor necessita dispor de alternativas de produtos, se não fica-se apenas no esperneio. Por isso mesmo, todas as economias avançadas dispõem de órgãos incumbidos de zelar pela concorrência, contra os chamados abusos de poder econômico.
Definições
Em uma economia fechada, a identificação do problema é relativamente simples. Define-se que nenhuma empresa pode controlar mais do que determinado percentual da oferta interna do produto, e impõe-se penalidades severas contra a formação de cartéis.
Em uma economia aberta e globalizada, a definição do abuso de poder econômico é muito mais complexa.
Há setores cujos preços são regulados pelos preços internacionais. Se aumentam os preços, o consumidor tem a opção de importar similares.
Evidentemente para estes setores o parâmetro a ser considerado não é sua participação na produção interna do produto. Há outros setores que exigem fusões e incorporações para se tornarem competitivos internacionalmente.
A definição do que é ou não é abuso de poder econômico precisa necessariamente se subordinar à estrutura e ao modelo industrial de cada país. Por isso mesmo, o diagnóstico econômico do problema tem que preceder a norma jurídica.
No entanto, vê-se uma situação esdrúxula. Numa ponta, o Cade decide sobre casos sem embasar-se em nenhuma das prioridades industriais do país. De seu lado, o ministro da Justiça tem interferido em alguns episódios com um empenho que não é adequado à isenção que deve caracterizar a função de ministro.
Lugar errado
No caso da compra da siderúrgica Pains pela Gerdau -vetada pelo CADE-, o ministério soltou um documento com quilos de argumentos em favor da operação.
A coluna concordava com a tese exposta pelo Ministério. O que causava estranheza era o parecer -repleto de considerações de política industrial- ter nascido diretamente no Ministério da Justiça e não nos órgãos incumbidos de pensar a política industrial.
Agora, repete-se o processo no caso Kolynos. A Secretaria de Direito Econômico do próprio ministério considerou que a compra da empresa pela Colgate fere princípios de livre competição. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda emitiu o mesmo diagnóstico.
No entanto, o Ministro da Justiça meteu a colher no assunto, não com base em razões de ordem jurídica, mas porque teria ficado bastante sensibilizado com as ofertas da Colgate de, em troca da aprovação da operação, investir na saúde bucal do brasileiro, fazer investimentos no país e exportar dentifrícios.
Cáspite! Se as propostas são boas ou ruins para o país, cabe às áreas afins analisar, e de forma colegiada -não individualmente, como propõe o ministro.
Ordem na casa
De um lado, burocratas do Cade propondo medidas arbitrárias sem levar em conta características setoriais; do outro o Ministério da Justiça se comportando como advogado. Assim vão acabar avacalhando com um instrumento essencial para a consolidação de uma economia mais justa e eficiente.
Está na hora de criar-se instâncias consultivas no âmbito dos ministérios econômicos ligados à política industrial, capazes de definir parâmetros mínimos para a atuação tanto do Cade quanto do Ministério da Justiça, acabando com interferências individuais que não ajudam a consolidar institucionalmente o país.

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