São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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São Paulo perde sua memória fotográfica

ANA MARIA GUARIGLIA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Pelo menos 5.000 imagens do fotógrafo e cineasta Benedito Junqueira Duarte, que retratam São Paulo entre os anos 30 e 50, estão se deteriorando no acervo da Divisão de Iconografia do Departamento de Patrimônio da Secretaria Municipal da Cultura.
A deterioração está acontecendo nos suportes de diacetato e nitrato de celulose, material do qual os negativos são feitos. Com a deformação dos negativos, é impossível a reprodução da imagem.
Segundo o arquiteto Michael Robert Alves de Lima, 45, responsável pela preservação do acervo, os negativos estão numa sala não-climatizada, no 4º andar do prédio da Secretaria da Cultura, na rua Frei Caneca, em São Paulo.
"Essa situação inviabiliza a preservação, e as promessas de mudança da Divisão para um prédio próprio tornam impossíveis até soluções temporárias, como a aquisição de aparelhos de ar-condicionado", explica Lima.
Na gestão da prefeita Luiza Erundina, foi feito um investimento de cerca de R$ 4,3 milhões para a recuperação de um antigo prédio da Politécnica, no bairro da Luz. O edifício abrigaria os acervos fotográfico e documental do Departamento.
A arquiteta Rosângela Martinelli Biasoli, 38, da Divisão de Preservação, disse, no entanto, que é provável que as obras ainda não sejam terminadas na gestão de Paulo Maluf.
A conclusão poderia ser feita em quatro meses, com uma boa injeção de verbas. Por enquanto, já foi aprovado um contrato no valor de R$ 500 mil para o acabamento externo do edifício.
Caso o contrato seja assinado em fevereiro, a obra será terminada em agosto. A última fase da obra consiste na ligação dos aparelhos do arquivo climatizado.
Enquanto o prédio da Luz não é liberado, o arquiteto Lima diz que o acervo fica submetido a todas as oscilações de temperatura e umidade, que impedem o prolongamento da vida dos materiais fotográficos.
Houve um apoio da Vitae, instituição de fins culturais, de cerca de R$ 25 mil, para aquisição de papel e produtos químicos.
Com o investimento, está sendo refeita uma coletânea de negativos de vidro com imagens de São Paulo do início do século, formada pelo fotógrafo Aurélio Becherini.
Lima pretende conseguir mais apoios para restaurar e salvaguardar o conjunto de obras do Patrimônio, principalmente os negativos em suporte de risco.
Outra idéia acalentada é a edição de catálogos e impressos sobre o acervo, incluindo a obra de Duarte. Mas a idéia ainda não sensibilizou os políticos.
A obra de Duarte
Paulista de Franca, Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) foi o primeiro fotógrafo do Departamento de Cultura, criado em 1935 por seu irmão, o antropólogo Paulo Duarte (1899-1984), e pelo Prefeito Fábio Prado (1887-1963).
Sob a batuta do escritor Mário de Andrade (1893-1945), ele registrou todas as iniciativas do Departamento, efetuando o projeto de documentação social proposto pelo escritor. Para organizar a seção de iconografia, Duarte criou um sistema de catalogação usado até hoje. Fichas com foto trazem informações sobre a imagem.
Com o início do Estado Novo, em 1937, o Departamento perdeu o caráter cultural inicial, mas Duarte continuou seu trabalho.
Nessa fase, registrou as transformações urbanas e o novo traçado da cidade projetados pelo prefeito Prestes Maia (1896-1965).
No final dos anos 40, se iniciou no cinema. Foi o pioneiro brasileiro na realização de documentários médico-científicos. Fez mais de 600 filmes e ganhou 57 prêmios em mostras no Brasil e exterior.
Duarte estudou fotografia em Paris e manteve contato com artistas como Man Ray e René Clair. Entre os anos 20 e 30, foi repórter fotográfico do "Diário Nacional". Participou das revistas "Anhembi" e "São Paulo", que buscavam expressões fotográficas inovativas.
Foi crítico de cinema da Folha, de 1956 a 1965, e participou da fundação da Cinemateca Brasileira e do Foto Cine Clube Bandeirante.

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