São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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Pequenos escravos

GILBERTO DIMENSTEIN

Um dos principais assessores econômicos do PT durante a campanha presidencial, Oded Grajew está nos Estados Unidos, onde entregou ao governo dossiê capaz de prejudicar exportações brasileiras.
O dossiê mostra como empresas no Brasil utilizam direta ou indiretamente mão-de-obra infantil, muitas vezes até trabalho escravo. Entre essas empresas estão gigantes como a General Motors, Ford, Fiat, Mercedes Benz, Petrobrás, Volkswagem e Cosipa.
Presidente da Fundação Abrinq, Oded Grajew foi convidado pelo governo americano a compartilhar suas descobertas. Motivo: com apoio de sindicatos de trabalhadores, parlamentares e grupos de direitos humanos, cresce um movimento no Congresso dos EUA para fechar o país a produtos feitos por crianças.
Há três anos o Ministério do Trabalho americano investiga essas conexões, encontrando abundante material no Terceiro Mundo. O Brasil ganhou destaque, atingindo, por exemplo, sapatos ou suco de laranja.
A resposta oficial brasileira é, em regra, a seguinte: não há condições de fiscalizar.
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Ao disseminar essas informações, Oded Grajew corre o risco de ser acusado de falta de patriotismo -inclusive e especialmente por seus colegas empresários. Mas ele está certo.
A ofensiva contra a exploração da infância exige mesmo mobilização internacional.
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Além dos óbvios aspectos morais, essa mobilização é boa para o Brasil enfrentar o desemprego: criança retirada do trabalho e matriculada na escola significa vaga aberta para adulto.
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Reconhecimento: a Volks se diz disposta a investigar suas empresas fornecedoras, rastreando trabalho infantil.
PS - De minha parte, não compro produtos se tenho a suspeita de que podem ter sido feitos por mãos de crianças ou trabalho escravo. Fui à Índia e resisti firme: não comprei nenhum tapete (sei que muitos deles são feitos por crianças escravizadas, por isso são tão baratos).
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Uma chance de o presidente Fernando Henrique Cardoso dar um bom exemplo: a Petrobrás deveria montar o esquema de fiscalização nos canaviais. Quem for flagrado leva multa e, se insistir, perde o direito de fornecer ao governo.
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Na coluna passada, sugeri aos leitores que desconfiassem desse colunista, como de qualquer jornalista (inclusive do ombudsman). Alguns leitores estranharam. Reafirmo: quem lida com informação corre sempre o risco de vazar simpatias e antipatias pessoais, preconceitos, predileções ideológicas ou partidárias.
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Nós, jornalistas, temos o vício da arrogância. Adoramos criticar, mas quando somos alvo de críticas reagimos rispidamente. Acreditamos estar acima do bem e do mal.
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Também recebi sinais de que não me fiz entender sobre a referência ao ombudsman. Esclareço: não quis personalizar a crítica e considero a instituição uma das grandes colaborações da Folha à imprensa brasileira. Presta ótimo serviço aos leitores, colocando o jornal na vanguarda da transparência.
Mas também deve estar submetida a permanente análise crítica. Nenhum de nós está imune a fragilidades e pressões psicológicas, armadilhas e à pressa típica da produção jornalística.
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PS - No debate sobre a Previdência, dois fatos notáveis sobre a postura da CUT: 1) O Brasil exibe cada vez mais maturidade política. Oposição ao governo não significa oposição ao país; 2) Vicentinho emerge como um dos principais personagens políticos do país, um dos símbolos nesse avanço de maturidade.

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