São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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O financiamento das universidades

ISAIAS RAW

Os artigos sobre o financiamento das universidades que a Folha publicou vêm num momento importante, quando se aguarda a designação de representantes de usuários e produtores para colocar em marcha o recém-aprovado Conselho de Ciência e Tecnologia.
As universidades estão duplamente pressionadas: encontrar financiamento privado e produzir tecnologia. Como um pesquisador básico, que hoje se dedica a desenvolver e implantar biotecnologia na área de saúde, fico assustado com a visão simplista de que é a universidade que irá gerar essa tecnologia e do perigo que o esvaziamento da pesquisa básica traria ao país.
A importância de ser competente em ciência básica tem sido reafirmada no panorama internacional. Um quarto da primeira página do "Herald Tribune", no mês passado, relatava o receio que a Alemanha tinha de perder a corrida nessa área, com graves consequências econômicas. O Japão, preocupado em não mais ter acesso à propriedade intelectual de outros países, acaba de passar legislação aumentando os recursos para pesquisas básicas. A Itália também; só Inglaterra e EUA reduziram esses orçamentos, cujos efeitos se farão visíveis na próxima década.
O Brasil jamais sairá de seu nível socioeconômico sem investir mais pesadamente na ciência básica e na formação de quadros de doutores. Essa prioridade não será cumprida aumentando os orçamentos das universidades, onde os recursos são distribuídos entre suas unidades, em geral não contemplando a competência e produtividade.
É obrigação dos pesquisadores submeterem seus projetos a instituições oficiais de financiamento, que selecionam rigorosamente aqueles que devem ser financiados. Os recursos do CNPq e Finep devem ser completados pelos recursos das fundações de amparo, que ainda pouco operam. São Paulo tem sido uma exceção e conta não só com os recursos estaduais, mas, por sua competência decorrente da própria ação da Fapesp, com 50% dos recursos federais.
É irrisória a contribuição de fontes privadas nacionais. Não existem no Brasil as grandes fundações criadas com recursos dos barões do petróleo e estrada de ferro, e é mais visível colocar o nome nas costas de um esportista a financiar ciência básica. É mito pensar que fundos privados manterão universidades ou pesquisas. De fato é o contrário, universidades privadas são fonte de renda para seus proprietários, jamais para criação científica ou intelectual.
A pressão sobre as universidades pelo desenvolvimento tecnológico tem estimulado a camuflagem de projetos básicos em projetos tecnológicos. O pesquisador universitário em tempo integral não é um tecnologista e frequentemente não sabe responder à demanda da empresa de soluções, frequentemente prosaicas.
A empresa quer saber como pode produzir um bem, como se faz, quanto deve investir, no que, quanto custa o produto. O que é mais factível adquirindo as caixas-pretas lá fora. Só que com a abertura não teremos acesso mais a essas caixas-pretas! Por que vender a tecnologia quando podem vender o produto com lucros muito maiores?
Não podem os empresários esperar das universidades essas repostas; têm que, usando recursos próprios e doutores produzidos pelas universidades, montar seus projetos de pesquisas.
Como muitas de nossas empresas não estão dispostas ou não sabem fazê-lo, as universidades e institutos de pesquisas podem servir de parceiros, assim obtendo algum recurso para sua pesquisa básica. Haverá exceções, onde pesquisadores desenvolvem conhecimentos que podem levar rapidamente a produtos.
Como ocorreu em Cambridge, Massachusetts, esses pesquisadores devem migrar para o setor industrial criando as microempresas, germe das inovações onde as multinacionais vão buscar idéias e talentos. Essa migração é benéfica e eu seria favorável a permitir, depois de análise do projeto, a pesquisadores saírem com vencimentos por dois anos, para testar sua competência em transformar ciência básica em tecnologia. Tendo sucesso, pediriam demissão, falhando, voltariam à universidade.

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