São Paulo, quarta-feira, 7 de fevereiro de 1996
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O blefe

ANTONIO DELFIM NETTO

A alteração da chamada "banda cambial" da semana passada produziu uma enorme e divertida confusão. A famosa "mídia especializada" permitiu-se as mais fantásticas especulações. Uma delas chegou à ridícula descoberta de que a modificação revelava profundas "implicações práticas e filosóficas para a política cambial futura" (sic).
Para bem da verdade é preciso dizer que desta vez o Banco Central é inocente. A mudança das bandas e a ação no mercado no dia seguinte mostraram que ele aprendeu a utilizar com profissionalismo e proficiência os leilões de "spread".
Nada disso, entretanto, deve obscurecer o fato de que desde junho de 1995 a "banda" é um blefe, como mostra o gráfico abaixo:
Antes da introdução das "bandas" em março de 1995, o câmbio comercial flutuava ao sabor dos fluxos financeiros excitados pelos humores dos aplicadores em mercados emergentes.
Durante a segunda banda, que durou até junho, o dólar comercial flutuou, mas sujeito a frequentes intervenções intrabanda. A partir da terceira banda (junho de 1995) a situação mudou radicalmente.
É claro que o sistema cambial agora é o de correção do câmbio pelo Banco Central levando em conta as variações da taxa de inflação interna, provavelmente o IPA (índice de Preços por Atacado), com pequenas variações aleatórias no nível e na frequência das "intraminibandas".
A banda existe para entusiasmar editorialistas especializados. Como o gráfico mostra, ela é apenas uma moldura móvel e arbitrária de uma tela branca, na qual o Banco Central pinta a evolução que a sua vontade imprime ao câmbio nominal.
É por isso que a mudança na "banda" para 0,97-1,06 real/dólar, nada significa. É simples continuação do mecanismo já utilizado: esperta prestidigitação para fazer o câmbio nominal escorregar de acordo com a evolução da inflação interna.
Isso é bom porque evita o agravamento da sobrevalorização do real que produziu o desastre exportador de 1995.
Mas não adianta mistificar. Não adianta apenas continuar a falar no "custo Brasil". Não adianta comprimir tarifas sem o correspondente aumento de produtividade. Não adianta reduzir impostos sem providenciar outra fonte de receita. Não adianta aumentar o juro para compensar o câmbio.
E por que não adianta? Porque essas medidas acabam alimentando o déficit público, que é o maior risco para a estabilidade do Real.
A prova do pudim é quando se come. Não quando editoriais que somam pretensão de saber à arrogância sugerem que a receita é gostosa.
E a prova é o crescimento vigoroso das exportações. Sem ele podemos dizer adeus ao crescimento e ao emprego.
Infeliz do país cujos economistas, supondo-se modernos, recomendam o abandono da sua taxa de câmbio à especulação financeira, em lugar de condicioná-la ao processo produtivo e ao emprego.

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