São Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A abolição da abolição

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - O governo já anunciou, ao som de trombetas e fanfarras, que a Era Vargas tinha acabado. Para isso só faltam as reformas estratégicas, entre as quais aquelas que vão diminuir ou abolir os encargos sociais que oneram as empresas e estariam provocando o desemprego.
O papo é furadíssimo. As medidas incluem, entre os encargos sociais, as férias remuneradas, o 13º salário e o Fundo de Garantia, que a partir do Movimento Militar de 64 substituiu a estabilidade, quando então teria começado o fim da Era Vargas. Apesar de todas essas aberrações dadas por Vargas ao trabalhador, o país não deixou de crescer, de se iniciar na industrialização e de conhecer períodos de euforia social e econômica.
Decretar o fim da Era Vargas foi pouco para a globalização neoliberal. É preciso decretar, também, o fim da Era Isabel, aquela princesa que deu o nome ao bairro de Noel Rosa, aqui no Rio, e aboliu a escravidão. Com o frango e a abóbora em baixa, o item alimentação ficou resolvido para a massa que fornece mão-de-obra. No tempo da escravidão, esse tipo de encargo (alimentar a mão-de-obra) ficava a cargo do senhor, que ainda precisava, em algumas eventualidades, cuidar do parto das negras que gerariam novos braços para a lavoura a custo zero.
O neoliberalismo de FHC sofisticou a coisa. Os senhores continuarão pagando uma espécie de salário, subvencionando o frango e a abóbora. O sacrifício do senhor será compensado pelo alívio na despensa da Casa Grande. Cada um deverá cuidar do que vai botar na boca. Com a peça alimentada (dizia-se que o escravo era uma "peça"), o custo da mão-de-obra ficaria baratíssimo não apenas para os senhores locais, mas para os senhores de todo o globo terrestre.
E o Brasil ainda teria conquistado preciosos pontos no concerto das nações, oferecendo e mantendo em nível baixíssimo o mercado de trabalho necessário ao conforto e ao progresso dos países globalizadamente desenvolvidos.
Vargas e Isabel já eram.

Texto Anterior: Falta um articulador
Próximo Texto: Confissões de um macaco
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.