São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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Comissão não vota e dedica dia para troca de acusações

DENISE MADUEÑO; SHIRLEY EMERICK; VIVALDO DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A comissão especial da Câmara que deveria se reunir ontem para votar a reforma da Previdência abandonou sua principal tarefa e dedicou o dia para troca de acusações e baixarias explícitas de seus principais integrantes.
O presidente da comissão, Jair Soares (sem partido-RS), renunciou ao cargo e anunciou sua saída do PFL, provocando tumulto e se tornando a primeira vítima do impasse da votação da reforma.
Ao ser repreendido por Inocêncio Oliveira, líder do PFL na Câmara, Soares disse que não aceitava censura de "filho da puta".
Mais tarde, foi a vez do relator Euler Ribeiro (PMDB-AM) chamar o presidente da CUT, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, de "vagabundo".
A sessão na comissão começou já sob tensão. O relator manifestou seu descontentamento pela demora dos procedimentos para votação do parecer elaborado por ele.
Soares estava disposto a conceder mais 48 horas de prazo para apresentação de destaques ao relatório de Ribeiro.
Demonstrando irritação, o relator fez uma ameaça aos líderes governistas. Ele renunciaria ao cargo caso sua proposta não fosse votada ontem. Ribeiro afirmou que não suportava mais o desgaste.
Com a ameaça, Inocêncio foi até o presidente da comissão e repreendeu Soares em voz alta.
"O Euler disse que vai renunciar se não votar hoje, e você vai ser o culpado por tudo", afirmou Inocêncio, gesticulando.
Soares suspendeu imediatamente a sessão e deixou a sala. O líder do governo na Câmara, Luiz Carlos Santos (PMDB-SP), e alguns parlamentares o seguiram.
Santos tentava acalmar o presidente da comissão, sem sucesso. "Eu não aceito censura de homem nenhum. Não aceito censura de filho da puta nenhum", disse.
Tumulto geral. "Eu me respeito. Esse movimento feito dentro do plenário é um desrespeito à sociedade", protestava o relator.
Soares entrou na sala da liderança do PL acompanhado por Santos e parlamentares. O então presidente da comissão se disse um homem honrado e que não precisava do cargo ou do PFL.
"Morro pobre e com a minha consciência", disse. A fala entusiasmou o deputado Paulo Paim (PT-RS), que afirmou: "Foi um discurso de estadista. Brilhante! Tem que ter gaúcho macho para bancar o governo".
Soares entrou na comissão, acompanhado e aplaudido pelos parlamentares de oposição para anunciar sua renúncia. Foi retirado da cadeira por Inocêncio.
"Por favor, Jair, preciso falar com você. Não tome decisão sem falar comigo", disse o líder do PFL. Levado para a sala da liderança do governo, Inocêncio tentou convencê-lo a ficar no cargo.
"O que você quer para ficar na presidência? Vai ser como você quiser. Você pode marcar a votação para terça se quiser", disse Inocêncio. O líder afirmou que pediria desculpas públicas a ele.
Sem recuar, Soares voltou à comissão e anunciou sua renúncia. Foi aplaudido pela comissão. "Vocês não me conhecem. Eu tenho um passado. Não vou ser capacho de ninguém. Não preciso dessa bosta", disse Soares.
Pela manhã, foi a vez do relator Euler Ribeiro esquecer a "liturgia do cargo", como define o presidente do Congresso, José Sarney (PMDB-AP). Perguntado se ia conversar com Vicentinho, afirmou: "E eu quero lá falar com esse vagabundo? Quase dei uns tapas nele ontem na TV Brasília, vocês não souberam?"
Vicentinho não polemizou: "Não quero tratar esse debate dessa maneira. Se ele quiser trocar soco, vamos para um campo, colocamos a luva de boxe e vamos lutar".
(Denise Madueño, Shirley Emerick e Vivaldo de Souza)

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Sobre a votação e negociação da reforma da Previdência às págs. 1-5 e 1-6

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