São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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Boas novas no BB e na agricultura

MAILSON DA NÓBREGA

O Banco do Brasil sofreu intensamente os efeitos da crise fiscal resultante da exaustão do modelo de desenvolvimento baseado no Estado.
No final da década de 70, o ritmo de expansão de seus empréstimos se reduziu. Nos anos 80, o processo se agravou com a emergência de uma dupla crise: a fiscal e a da dívida externa. Era elevado o volume de créditos externos que concedera ao país.
O BB crescera muito nos anos anteriores com base em um aleijão institucional, a "conta de movimento", que lhe fornecia recursos do Banco Central a custo zero para executar programas de interesse governamental.
Sua fragilidade era enorme. Com a redemocratização, seria impossível preservar um mecanismo fiscal que funcionava à margem do Congresso.
A saída era extinguir a "conta", autorizar o BB a atuar em todos os segmentos do mercado financeiro e efetuar acertos que permitissem a transição para uma nova vida.
O governo calculou mal, em 1984, a desinformação e a capacidade de mobilização corporativa de sindicatos e associações de funcionários do BB. A proposta foi derrotada numa dessas liminares espetaculosas de juízes de Brasília.
À frente da reação estiveram dirigentes do BB e seus representantes no Legislativo. Numa tirada emocional, um deles disse que o Brasil iria à falência. Teorias conspiratórias abundaram.
O mecanismo era, todavia, insustentável. Em 1986, o novo governo derrubou a liminar e acabou com a "conta". Os mal informados jamais se consolaram. Os políticos que dela extraíam dividendos estão agora abrigados na bancada ruralista.
Um dos argumentos da reação era a dificuldade que a agricultura enfrentaria. O Brasil passaria fome. Dez anos depois, apesar do que sofreu e ainda sofre o setor, produz-se 60% mais do que naquela época.
O aprendizado foi grande. A agricultura moderna livrou-se do suspense anual que é definir, de onde não existem, recursos para o custeio da safra.
O BB também aprendeu em meio às dificuldades e às resistências internas. Do seu invejável banco de talentos surgiu a solução para financiar a agricultura de forma revolucionária.
A Cédula do Produto Rural (CPR), criada pela lei 8.929, de agosto de 1994, é o mais auspicioso resultado dessa nova realidade. A CPR é emitida pelo produtor rural no ato do recebimento antecipado do valor de sua safra.
Avalizada por um banco, a CPR se torna um ativo financeiro negociável. Custodiada e registrada em sistemas mantidos pelo sistema financeiro (Cetip), a CPR adquire uma segunda fonte de confiança: a impossibilidade de fraude.
A percepção das vantagens da CPR se espalha velozmente. Indústrias de beneficiamento podem adquirir, em leilões, títulos representativos de produtos, evitando manter armazém e outras estruturas dispendiosas pelo interior.
O governo, se puder e quiser, poderá, da mesma maneira, formar estoques reguladores sem os custos de armazenamento, a fraude e a corrupção que caracterizaram esses programas no passado.
O custo para os produtores cairá muito. A taxa de risco cobrada pelas indústrias (20% a.a. nos contratos de soja-verde) foi substituída pelo aval na CPR (de 6 a 8% a.a.).
A tendência é uma queda ainda maior, à medida que o volume de transações com a CPR aumentar.
A CPR nasce e se expande com um BB que já esqueceu a "conta de movimento" e aprendeu a linguagem e a eficiência do mercado.
Sob sua liderança, a CPR entrou no circuito dos mercados futuros e nos leilões eletrônicos semanais. Nas agências, agricultores podem ver seu desenrolar em telas de computadores.
A lógica do processo é moderna. Atrai investidores institucionais e outros atores do mercado.
Expande-se com o uso de sofisticados derivativos. Melhora a gestão dos riscos. Moderniza o financiamento à agricultura. É transparente e democrática.
A CPR viabiliza a equivalência-produto sem a demagogia do passado. O agricultor vende sacos de soja, café, milho etc. Não se preocupa com o descasamento entre o empréstimo e o valor futuro da produção. O mercado resolve isso por ele.
Neste ano, já são cerca de 500 mil toneladas de soja comercializadas antecipadamente via CPR.
Em breve, abrangerá a maioria das safras, sem nenhuma interferência do Estado. O interesse pelo título deve aumentar na esteira da expansão do mercado de capitais e das mudanças de mente no meio rural e na classe política.

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