São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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O modelo de saneamento

LUÍS NASSIF

Na redefinição das áreas de atuação do Estado, um dos pontos mais cinzentos, mesmo em âmbito mundial, é o setor de saneamento público. Há discussões sobre se deve ser público ou privado, centralizado ou municipalizado, financeiramente auto-suficiente ou bancado pelo orçamento público.
Esse é o pano de fundo encontrado pelo empresário Hugo Marques da Rosa, ao assumir o cargo de Secretário de Energia do Estado de São Paulo, no ano passado.
Nos anos 80, sua empresa -a Método Engenharia- foi das primeiras empresas brasileiras a consolidar um modelo gerencial participativo. Do lado de lá do balcão, Marques da Rosa está à frente do maior desafio de sua carreira: conseguir implantar os mesmos métodos participativos no setor público.
Seu laboratório é a Sabesp -subordinada à sua secretaria, e considerada a maior empresa de saneamento do mundo. Ela atende a 331 municípios que respondem por cerca de 70% da população de São Paulo, gerando faturamento de US$ 2 bilhões.
A Sabesp tem o padrão de estatal brasileira criada nos anos 70. Quadros técnicos competentes -que naquele período foram atraídos por salários competitivos, planos de benefício, plano de carreira e, principalmente, modelos gerenciais muito mais modernos que nas empresas privadas nacionais da época- mas desmotivados pela politização posterior das empresas.
Números
Ao chegar à secretaria, Marques da Rosa recebeu documento preparado pela Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, contendo visão bastante clara da empresa e do setor. Ela estava financeiramente quebrada e sofrendo risco iminente da chamada municipalização selvagem. Ou se viabilizava financeiramente, ou dançava.
Tendo o diagnóstico inicial, o primeiro passo do modelo participativo foi obter a adesão dos sindicatos. Em pouco tempo, todos aceitaram que a única maneira de impedir o desmonte seria tornar a empresa economicamente viável -o que significaria trocar a bandeira do pleno emprego pela da plena eficiência.
A partir dessa convicção, os sindicatos se tornaram a melhor fonte de sugestões para as mudanças.
A adesão dos funcionários e a profissionalização da gestão permitiram reverter prejuízo de US$ 230 milhões em 1994, para um lucro de US$ 60 milhões em 1995, e investimentos superiores a US$ 300 milhões. Para 96, espera-se lucro de US$ 200 milhões.
Parte dessa reversão se deveu à redução do quadro de funcionários, de 22 mil para 19 mil. Parte foi obtida com a reversão da terceirização. Nos anos anteriores a empresa terceirizou série de atividades, mas manteve nos seus quadros os funcionários responsáveis pelas atividades terceirizadas. Com a reversão, o custo dos serviços terceirizados baixou de US$ 13,7 milhões para US$ 8 milhões mensais.
Outro fator de prejuízo era a cobrança e o desperdício de água. O desperdício (entendidas as perdas da água, depois de tratada) chegava a 24%, e as fraudes nas contas consumiam outros 20%. De cem unidades de água tratada, cobravam-se apenas 56 -e não se recebia a totalidade da cobrança. Criou-se equipe de 280 pessoas só para trabalhar na redução das perdas. Com isso, reduziram-se as perdas em seis pontos percentuais.
Modelo de saneamento
A recuperação da empresa passava por um trabalho interno, mas também pela definição de um modelo de saneamento, no qual ela pudesse se enquadrar.
Um extremo era o modelo Planasa dos anos 70 -com uma só empresa de saneamento operando no Estado inteiro, com todos os inconvenientes da centralização. O outro extremo seria cada município operar seu serviço, o que levaria à constituição de 637 empresas municipais em São Paulo, atuando de maneira desordenada, jogando a poluição de um lado para o outro.
Decidiu-se por um modelo de criação de unidades regionais, em torno de bacias hidrográficas, dispondo cada qual de uma grande empresa que fornecesse água no atacado, e de empresas menores atuando na captação e tratamento dos esgotos municipais.
Inicialmente foram criadas 15 Unidades Estratégicas de Negócios, oito no interior, três no litoral e seis na região metropolitana.
Poder compartilhado
Essas unidades foram subordinadas a um sistema de poder compartilhado, fundamental para evitar a reversão futura do trabalho. Em cada região foi criada uma assembléia de prefeitos, responsável pela aprovação do plano de tarifas regionais, o plano de investimentos, o orçamento e o plano diretor da bacia hidrográfica.
Por sua vez, cada assembléia elegeu uma comissão de cinco prefeitos que, com cinco representantes da Sabesp, integrarão o Comitê Gestor Regional -que se reunirá mensal ou bimestralmente, preparando os elementos para a assembléia de prefeitos.
A partir deste ano, cada unidade dispõe de orçamento próprio e analisa cada projeto sob o ângulo da viabilidade financeira.
Trata-se de mais uma experiência enriquecedora, dentro do grande desafio de pensar o moderno Estado brasileiro.

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