São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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Pois sim... pois não...

JOSÉ SARNEY

Em política, muito da ação está na palavra. A palavra é arma de trabalho. Na verdade, a palavra tem essa mesma importância em todos os setores. A palavra governa tudo, pois, sem ela, nada de comunicação.
Eu tenho verificado o quanto fazem falta um sim e um não. E vi isso melhor ao visitar um amigo que, vítima de um derrame cerebral, perdera a fala. Os gestos, por mais que fossem interpretados, não substituíam a palavra.
Todo esse nariz de cera tem origem no mal-entendido entre os negociadores da reforma da Previdência. Discute-se se os interlocutores falam sim ou não. Vicentinho fugiu a essa fórmula e disse sem rodeios.
"Ninguém vai nos enganar, nós não somos bestas..."
A verdade é que há, ultimamente, uma grande sedução pela criação de palavras novas. Veja-se esta que entrou na linguagem política: flexibilização. Quando a coisa engata, vem logo a solução: "Vamos flexibilizar".
No tempo da abertura política viu-se o valor das palavras quando o presidente Ernesto Geisel deu a sentença e teoria: "Abertura gradual, lenta e responsável". Já se sabia que isso significava: "Cuidado com o andor que o santo é de barro".
Outra de que não gostei e começou a circular nos tempos de Juscelino foi "desenvolvimentismo". Ora, já chegava desenvolvimento, que era uma coisa, e vem outra, de cartola e fraque no linguajar econômico.
Em resumo, o caso é que é difícil a arte da negociação política. O japonês resolveu o assunto quando não deixou na sua língua o sim e não. Eles dizem sempre "né". Você, então, interpreta se é sim ou não.
Outro dia fui ao casamento de um jornalista do Maranhão. Celebrava a cerimônia monsenhor Hélio, padre muito culto e também com muito senso de humor.
Ele perguntou aos noivos o compromisso litúrgico do "fiel até a morte". Os noivos responderam sim. O padre acrescentou: "Vocês podem dizer não!"
Claro que podiam dizer não. Se uma pessoa lhe pergunta: "Você quer casar?" e ouve pois não, isso significa sim. De outra maneira, se perguntam se você quer jogar-se de um décimo andar, você dá de beicinho e responde: "Pois sim..."
Tem de haver a entonação desconfiada para dizer não. São coisas que impressionaram Paulo Rónai: a versatilidade de nossa linguagem, notadamente o emprego sutil do "pois é", "pois sim", "pois não"...
Os diplomatas, dizem, têm a fórmula do "talvez". O chanceler Magalhães Pinto, quando ministro das Relações Exteriores, tinha uma solução melhor. Não dizia talvez, nem sim, nem não. Apenas respondia ao intérprete:
"Diz a ele que eu quero a paz".
Muitos de nós, políticos, ouvimos muitas vezes palavras que não significam o que parecem significar. Exemplo: uma vez, recebido em Água Branca, no Maranhão, o orador saudou-me: "Senador Sarney, impoluto e anacoreta". Perguntei o que ele queria dizer. Respondeu-me: "O maior!"
E os anacoretas foram os primeiros que se converteram ao cristianismo. Daí ninguém estranhar a dúvida de Vicentinho. Ele não entende o que o relator relata e o relator não sabe se ele responde sim ou não.
Com a Força Sindical não há dúvida. Ela diz sempre sim. Mas com a CUT, a coisa é diferente, ela diz sim e não. Pois sim?...

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