São Paulo, sexta-feira, 9 de fevereiro de 1996
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Garganta profunda

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Na sala de espera de um consultório, folheio a revista especializada em economia e negócios, edição especial dedicada ao primeiro ano do atual governo. A matéria principal garante, com todas as letras e rapapés, que FHC cumpriu todas as suas promessas de candidato, arrolando entre as promessas as privatizações e a reforma constitucional da cabotagem. Trata-se de uma revista respeitável, tida e havida como a de maior credibilidade no mercado.
Sendo assim, quem não é respeitável nem tem qualquer credibilidade sou eu próprio. Não me lembro dessas promessas eleitorais, elas deviam estar impressas em corpo 2 nos santinhos da campanha, numa linguagem complicada como a das apólices de seguro e bilhetes aéreos. Adquire-se a apólice ou a passagem, acredita-se numa porção de garantias expressas no contrato ilegível, se alguma coisa corre mal fica-se na pior: a nada teremos direito.
Com as promessas de FHC ocorreu o mesmo. Não tomei conhecimento de sua promessa principal, a de privatizar a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, nem a de acabar com as garantias trabalhistas que bem ou mal suavizam os baixos salários -quando há salários.
O eleitor não tinha interesse nem vista para decifrar as letrinhas miudinhas desse tipo de contrato eleitoral. O que viu -e constituiu-se no logotipo da campanha- foi a mão espalmada de sua Exa. prometendo saúde, educação, segurança, casa etc.
O articulista da revista se excede ao comentar as realizações sociais do governo. Garante que a campanha de solidariedade de dona Ruth está dando aquilo que antigamente chamavam de "pingues resultados". Só lamenta que ela não tenha sabido comunicar o sucesso à nação. Ao contrário do marido, que é bom de garganta, a primeira-dama é tímida e modesta. Mas que a questão social do Brasil está resolvida, está. O problema agora é encontrar uma garganta capaz de bem informar tão boa nova ao povo. A um povo que está sendo feliz e não sabe.

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