São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 1996
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Recusar a selvageria

SANDRA STARLING

Não é aceitável o argumento de que a livre concorrência baixaria os preços das mensalidades
Reina soberano entre nós o discurso do livre mercado, mas como a realidade não é redutível aos estreitos limites da ideologia liberal o governo acaba sendo forçado a administrar alguns preços.
Esse governo não assume suas responsabilidades no sentido de colocar o Estado como fator dinamizador do desenvolvimento nacional, tampouco assume suas responsabilidades na promoção do bem-estar social, fornecendo educação, saúde e segurança, e aplica aí também uma política privatizante.
Caso desista de intervir no controle dos preços das mensalidades escolares o governo estará abandonando o campo do liberalismo e adentrando o campo da selvageria. Se alguns preços são administrados, com mais razão devem ser administrados os preços das mensalidades escolares, pois a educação não é uma mercadoria qualquer, já que diz respeito ao futuro espiritual e material da nação.
Não é aceitável o argumento de que a livre concorrência baixaria os preços das mensalidades. Como todos os outros campos de atividade no Brasil, esse também é cartelizado. Por outro lado não é democrático oficializar a existência de estabelecimentos de primeira e de segunda qualidade, isso equivaleria a aceitar como definitivo o atual apartheid social.
Afrouxar o controle sobre as escolas é aceitar o inconsistente discurso neoliberal de defesa do Estado mínimo, ausente do setor produtivo, declinando também de suas responsabilidades no que diz respeito à regulamentação da atividade econômica e omitindo-se nas questões sociais, como educação, saúde e segurança.
A inconsistência desse discurso é revelada pelos fatos. Aqui os liberais, tão empenhados em manter o Estado longe da economia, não hesitam em socorrer os banqueiros com recursos públicos sempre que o setor ameaça falir e insistem em bancar as travessuras da Raytheon para fazer um agrado ao presidente Bill Clinton.
É o Estado brasileiro intervindo na economia dos Estados Unidos para salvar uma indústria bélica falida e, de quebra, negando o discurso neoliberal.
O Estado brasileiro, portanto, intervém na economia para ajudar os banqueiros e para gerar empregos nos EUA. Mas não intervém na economia quando se trata de colocar o Estado a serviço do desenvolvimento nacional -protegendo pais e alunos da voracidade dos empresários da educação.
Em geral as políticas do governo tiram dos pobres para dar aos ricos, negam na prática o discurso da priorização da educação, saúde e segurança. De fato as iniciativas no setor social vão no sentido contrário do discurso oficial.
Por exemplo: tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional por meio da qual o governo quer se descomprometer de investir no ensino fundamental e na erradicação do analfabetismo cerca de R$ 3,25 bilhões no ano de 1996. Por outro lado o sucateamento da escola pública faz com que crescentes contingentes de estudantes sejam obrigados a frequentar escolas privadas, onde devem fazer face a mensalidades cada vez mais insuportáveis.
Isso para não citar as transferências de recursos públicos para escolas privadas onde se vende ensino de baixa qualidade. É dever indeclinável do Estado controlar os preços e a qualidade do ensino fornecido à juventude.

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