São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
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Tigre de papel

OSIRIS LOPES FILHO

O fenômeno tributário tem sofrido profundas alterações no país, principalmente do ponto de vista ético. Até recentemente, o evasor era considerado um herói vitorioso na sua resistência ao pagamento dos tributos, versão atualizada de Robin Hood tupiniquim.
Na década de 80, pessoas ligadas ao governo federal tentaram estigmatizar, como sonegador, um candidato a deputado federal, em Rondônia. As acusações de sonegação eram procedentes e a campanha desmoralizatória foi intensa e inclemente. Resultado objetivo: o sonegador foi eleito com a maior votação. Rondônia caracterizava-se por estrito faroeste.
Hoje o quadro mudou. A aceitação social e, em alguns casos, até o respeito da comunidade, que consagravam o evasor, têm sido substituídos por sentimentos e atitudes de repulsa e reprovação.
Um fato notável é a existência, nos últimos anos, de anistias fiscais. Antes, periodicamente, surgia uma lei ou decreto-lei perdoando os débitos dos evasores. O interessante é que as últimas anistias foram envergonhadas. O legislador usava redações elípticas, para disfarçar o hediondo benefício. O efeito perverso das anistias fiscais é o certificado de burrice que passa ao contribuinte correto.
Os contribuintes inadimplentes, morosos, infratores, contentam-se, hoje, com algo bem menor em termos de favor tributário. Satisfazem-se com a forma vulgar de moratória: o parcelamento de seus débitos. Parece sepultada a fase do perdão dos tributos e multas.
Recente medida provisória, a de nº 1.281, de 12 de janeiro de 1996, que trata do Cadastro Informativo dos Créditos do Fisco Federal não quitados, estabeleceu regras drásticas sobre o parcelamento. Encurtou seu prazo para até 24 meses, a critério da autoridade fazendária. Tornou, equivocadamente, o parcelamento dependente da vontade do administrador tributário, quando na verdade ele deve decorrer do exame da situação econômico-financeira do devedor, principalmente de suas dificuldades de liquidez. E estabeleceu um prazo máximo reduzido: 24 meses.
Aprendi na faculdade uma nova interpretação para a rigidez do "dura lex, sed lex". Dura a lei, mas a de seda. Macia, flexível, adaptável às circunstâncias. Proibiu-se também o reparcelamento e a nova concessão de parcelamento, enquanto não extinto o anterior. São regras rígidas, duras demais para a situação do país.
A experiência mostra que o objetivo prático do parcelamento é o de que o devedor passe a pagar o presente e o futuro. O passado talvez seja pago com muitas dificuldades e tropeços. É uma questão de ordem prática. O contribuinte que já deve imposto há três anos pode continuar a dever por mais um par de anos. É verdade que o seu débito cresce. Mas também cresce a ausência de arrecadação.
Num país em que o fisco não costuma cobrar a tempo e hora, em que os débitos se eternizam, parece-me prudente atrair o inadimplente para os esquemas de pagamento. Fazer todo o esforço para convertê-lo em adimplente.
Daí que essa orientação rígida de fixação de prazos de parcelamento curtos, proibições de reparcelamento e de novos parcelamentos, enquanto não pagos os anteriores, pode satisfazer ao moralismo pequeno-burguês de seus autores, mas representa uma alienação da nossa realidade, principalmente se o tigre é de papel.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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