São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Emprego: não legalizar a precariedade

EDWARD J. AMADEO

Objetivo deve ser a criação de mecanismos que preservem os bons empregos
O mercado de trabalho no Brasil demanda uma análise bidimensional em que se olhe para a quantidade de empregos gerados e a qualidade dos postos de trabalho. Para o trabalhador, qualidade significa a possibilidade de ascender no mesmo emprego e obter ganhos de renda. Para a empresa significa um alto potencial de ganhos de produtividade.
O Brasil não tem um problema de geração de empregos propriamente dito. O problema é que gera empregos de péssima qualidade e a proporção de empregos ruins tem aumentado muito.
O principal indicador da baixa qualidade dos empregos é o índice de rotatividade. Cerca de 50% dos trabalhadores do setor formal estão há menos de dois anos no mesmo emprego. Isto significa que, se a probabilidade de cada trabalhador mudar de emprego fosse a mesma, a cada quatro anos todos os trabalhadores do país teriam trocado de emprego.
A elevada rotatividade do emprego é uma evidência de que o custo de demissão não é alto. Parece ser mais barato demitir e readmitir um trabalhador do que preservar seu emprego ao longo de um ciclo econômico.
De fato, o aviso prévio mais a multa por demissão sem justa causa de um trabalhador há dois anos na mesma empresa equivale a 2,3% dos salários mais encargos pagos no período.
Mas a qualidade dos empregos no Brasil não tem tido a devida atenção. De um lado, há a preocupação com a necessidade de reduzir o "custo Brasil". De outro, com aumentar o "emprego formal".
A redução do "custo Brasil" resultaria em aumento da competitividade da indústria, reduzindo a restrição externa e permitindo maior crescimento econômico e de empregos.
Para isso propõe-se a redução dos encargos sobre a folha. O corte de encargos proposto pelo governo (Senai, Sesi, Sebrae, Incra, salário-educação e acidentes de trabalho) implicará uma redução do custo salarial da ordem de 4,5%, o que é insignificante face a um aumento do salário em dólares de 60% nos últimos dois anos.
Sendo pequena a redução do custo trabalhista, a segunda proposta é de reduzir os encargos que revertem a favor dos trabalhadores (13º salário, férias e abono de férias, licenças etc.). Há dois problemas com esta proposta. Primeiro, não considerar que estes encargos podem vir a ser transferidos para os salários, caso em que não haveria redução do "custo Brasil". Há falsos liberais que acreditam que a redução dos encargos reduzirá os salários e o custo salarial. Não acreditam no mercado.
O segundo problema é esquecer que, nas empresas em que a redução dos encargos for levada a cabo sem acordo com os trabalhadores, o efeito sobre a produtividade do trabalho pode ser negativo. Portanto, ganha-se de um lado para perder do outro. O efeito sobre a competitividade e a geração de empregos não é muito claro.
O segundo tipo de preocupação refere-se à necessidade de aumentar o "emprego formal" face à redução do nível de emprego em setores que oferecem bons postos de trabalho (indústria, setor financeiro e setor público).
Neste caso, as propostas são perversas, pois o que fazem é legalizar a precariedade dos empregos gerados. Isto é, permitir que empregos de baixa qualidade que hoje existem e são batizados de "informais" passem a ser "formais" e legais.
Exemplo típico desta proposta é a introdução dos empregos temporários em que trabalhadores podem ser contratados com encargos menores e demitidos sem indenização. Esta proposta não tem qualquer compromisso com a melhoria na qualidade do emprego. Apenas, o trabalhador que poderia estar no setor "informal" (sem encargos e sem custo de demissão) agora passa a ter um emprego "formal" (sem encargos e sem custo de demissão). Fica assim consagrada na lei a segmentação do mercado de trabalho.
A experiência da Espanha mostra que a volatilidade do emprego aumenta com a introdução dos "contratos temporales". Isto é, o nível de emprego passa a crescer mais durante uma fase de expansão da economia e a cair mais em períodos de retração.
Na média o efeito não é claro. Dito de outra maneira, ao largo de cinco a dez anos a geração de empregos não será necessariamente maior com a introdução de empregos temporários.
O objetivo da política de mercado de trabalho não deve ser a geração de empregos formais se para isso for necessária a legalização de precariedade. O objetivo deve ser a criação de mecanismos que preservem os bons empregos.
Hoje, no Brasil, devido à rigidez legal do contrato de trabalho, uma empresa em dificuldades praticamente só tem uma saída, qual seja, demitir trabalhadores. O importante é criar meios para que a firma acomode sua folha à redução do faturamento, preservando os empregos.
A preservação dos empregos é um fim em si mesmo. Mas tem consequências positivas para a qualidade da relação capital-trabalho e o crescimento da produtividade.
Com a perspectiva de uma relação de emprego mais duradoura, tanto empregado quanto empregador passam a ter uma atitude mais cooperativa, aumentando a produtividade -o que reduz o "custo Brasil" e aumenta a competitividade.
Três exemplos de arranjos que permitem preservar os bons empregos. Primeiro, a flexibilização da jornada de trabalho negociada entre sindicato e empresa, como ocorreu no caso da Scania. Segundo, a flexibilização de alguns direitos do trabalhador em troca de preservação do emprego. Terceiro, a introdução do sistema de "lay-off", segundo o qual a empresa compromete-se a recontratar o trabalhador para o mesmo cargo caso volte a empregar.
Nos três casos o sindicato e os trabalhadores passam a ter algum grau de interferência na decisão da empresa sobre o nível de emprego.
Os casos dos EUA, Alemanha e Japão são ilustrativos para a comparação entre as três opções. A volatilidade das horas totais trabalhadas é igual nos EUA e na Alemanha. Só que, no primeiro, o ajuste se dá com variações de nível de emprego (com "lay-offs") e, no segundo, o ajuste se dá com variações na jornada de trabalho. Já no Japão o ajuste se dá com variações na remuneração dos trabalhadores por meio do sistema de bônus. Em nenhum dos casos as empresas fazem o ajuste por meio da demissão de trabalhadores.

Texto Anterior: Tigre de papel
Próximo Texto: Adiar lei previdenciária é solução, na UE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.