São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Daniela Mercury

MARISA ADÁN GIL

Com os cabelos mais claros, a cantora muda de trio elétrico e mostra à Revista qual é a nova rota do Carnaval de Salvador
Não se sabe de onde eles vêm. Em alguns minutos, tomam as escadas do Caranguejo do Farol, lotam a calçada da orla da Barra. Aparecem nas janelas ou correndo de ruas paralelas. Um segurança se joga na frente de um carro. Não precisaria. Todos param para Daniela Mercury.
Ela posa para mais uma foto. Na avenida Oceânica, em Salvador, é o caos. Os motoristas brecam, acenam para Daniela, saem dos carros.
"Como vai?", diz a cantora, devolvendo a intimidade com que é tratada pelos fãs. A microssaia de couro branco, o decote generoso e o salto alto não a intimidam. "O público gosta de me ver produzida. Ele quer que você seja estrela o tempo todo."
Durante duas horas, ela mostra à Revista da Folha o percurso que irá fazer dali a duas semanas em cima de um trio elétrico, seguida por mais de um milhão de foliões. Do Farol da Barra até o bairro de Ondina, ela posa para o fotógrafo enquanto conta como pretende mudar para sempre a cara do Carnaval da Bahia.
Fim da tradição
"Vamos levar o Carnaval para a praia", diz. Até o ano passado, o Carnaval "oficial" acontecia no Centro, em um circuito conhecido como Campo Grande/Castro Alves, ou simplesmente "avenida" -começando na avenida Sete, fazendo a curva na Praça Castro Alves e subindo a Carlos Gomes. O caminho era obrigatório para blocos tradicionais.
Daqui a uma semana, Daniela quebra a tradição. No domingo, 18, ela vai dar partida ao desfile no Farol da Barra e fazer todo o circuito do mar, também chamado de Barra/Ondina -que percorre boa parte da avenida Oceânica (nome informal para a Presidente Getúlio Vargas). "Esse circuito era considerado alternativo, para blocos menores", explica. Lá, a festa só acontecia de quarta a sábado, e de maneira informal. Nunca se sabia quem ia aparecer.
Daniela defende o novo circuito com unhas e dentes. "Não tem a magia do Centro e das construções antigas, mas tem outros encantos. A vista maravilhosa, o espaço, a brisa do mar. A avenida estava ficando muito apertada, o carnaval tinha que se expandir", justifica.
Pipoca ou abadá
No ano passado, cerca de oitocentos mil turistas foram aproveitar o Carnaval de rua em Salvador. Podiam escolher entre comprar o abadá -espécie de camisolão comprido que garante o acesso aos blocos afros e trios- ou brincar como "pipocas" (aqueles que acompanham os blocos do lado de fora do cordão).
Muita gente foi para ver os blocos afros Olodum e Ilê Ayiê. Outros foram atrás dos trios comandados por estrelas da música baiana como Netinho, Chiclete com Banana ou banda Eva. Mas a maioria queria mesmo ver de perto a "rainha do Carnaval" Daniela Mercury, que abriu o circuito oficial no domingo, com o bloco dos Internacionais.
Em 1996, ela desfila com outro bloco, o Crocodilo. "Quero renovar o meu público", diz. E acumular desafios. O Crocodilo foi o único bloco conhecido que assumiu o novo circuito. "Ninguém quis se arriscar", diz Daniela. "Mas tenho certeza de que vai dar certo. Vamos tornar esse espaço oficial e atrair mais blocos. Aí, a cidade vai ter dois carnavais paralelos."
Haja fôlego. Em Salvador, é possível pular durante oito dias: a festa começa na quarta anterior ao Carnaval e só termina (quando termina) na tarde da quarta seguinte. "De vez em quando tem algum louco que sai com o trio na quarta à noite. É só ir para a Barra e esperar."
Brooke Shields
No Farol da Barra, o vento cobre com madeixas loiras os olhos de Daniela. "Estou parecendo a Brooke Shields", ri, comentando o novo visual -a morenice deu lugar a um castanho suave, com algumas mechas mais claras.
"São os meus 30 anos", diz a cantora, que faz 31 em julho. "Fiquei com vontade de mudar um pouquinho a imagem".
O farol é o ponto de partida do seu desfile neste ano. "Aqui, o bloco se concentra para sair pela avenida Oceânica", diz, apontando o espaço em frente à construção, já apinhado de turistas. "Todo mundo vem aqui para ver o pôr-do-sol, é uma tradição", conta. Essa tradição será mantida: o Crocodilo sai no momento em que o sol encontrar o mar.
Em cima do trio elétrico, Daniela vai ter a companhia dos filhos Gabriel, 10, e Giovana, 9 (do seu casamento com Zalther Póvoas, que já dura 11 anos). Ao lado dos amiguinhos Felipe e Lucas, eles formam a última revelação do pop brasileiro: os mamoninhas.
Mãemonas
"Eles cantam com muita propriedade", diz Daniela, séria. "Sabem todas as letras e coreografias. Eu só vou dar uma mãozinha." O repertório, tomam emprestado de sua maior influência. Em cima do trio, os quatro vão cantar "Vira-Vira", "Pelados em Santos" e "Pagode do Alemão", fantasiados de mamoninhas.
Aprenderam as canções depois de assistir a um show dos Mamonas Assassinas em Salvador. "Eles se divertiram tanto, fiquei impressionada", diz Daniela. Deciciu incorporar aquele som ao seu repertório carnavalesco -só não sabia como. "É muito diferente do meu trabalho. Colocar as crianças para cantar foi a melhor solução."
Além de ter suas bobagens cantadas por nove em cada dez blocos, os Mamonas podem comparecer em pessoa: está em negociação a saída do grupo em um bloco chamado
Mãemonas. Tamanha invasão não incomoda Daniela. "A criançada gosta de cantar uns palavrões."
Menina de rua
Depois da concentração no Farol, Daniela sobe a avenida Oceânica e faz uma parada no bar Caranguejo do Farol. "É um bom ponto, perto da praia, junta muita gente". Para os trios elétricos, saber parar é fundamental. "É o momento de criar intimidade com o público, improvisar, incendiar a festa."
Há dez anos, Daniela faz na avenida seus melhores shows. São sete horas de música. "Quero que tenham a mesma qualidade dos shows solo, mas é difícil. Estou ensaiando desde junho do ano passado." Vale a pena, diz a cantora.
"Quando eu era criança, minha mãe levava a gente para a ilha de Itaparica, onde só tinha baile de clube. Uma vez, com 12 anos, me fantasiei de bruxinha e fiquei esperando alguém me levar. Ninguém quis ir. Fiquei olhando para a cidade, parecia que as luzes pulavam. Estava pegando fogo. Jurei que nunca mais ia passar o Carnaval longe da rua."
Devorada pela mídia
Bem mais modesto que seu primo carioca, o Cristo de Salvador -segunda parada do bloco de Daniela- não deixa de ter seus encantos. A vista da orla marítima é grandiosa. "Na quarta de manhã, o pessoal da Timbalada vem tocar aqui. É o melhor lugar para terminar a festa."
Depois da folia, em março, ela entra em estúdio para gravar seu quarto álbum. "De certo, vai ter duas músicas de Carlinhos Brown, 'Rapunzel' e 'Anágua'. Estou procurando uma sonoridade diferente. Acho que será mais feminino."
A cantora encerrou há poucas semanas a turnê do álbum "Música de Rua", lançado em outubro de 1994. O disco vendeu 650 mil cópias -contra um milhão de "O Canto da Cidade", de 1993.
A queda não incomoda Daniela. Ela lembra com angústia a superexposição de 1992/1993 -quando seu samba-reggae conquistou o eixo São Paulo/Rio e a "musa do Axé" foi devorada pela mídia.
"Ainda estou tentando entender", diz. "Não foi gravadora, não foi a produção da Poladian, não fui eu. Acho que o país queria matar sua curiosidade sobre mim."
Tudo começou em 1987, quando a música "Faraó", do Olodum, deixou os limites da avenida e foi parar nas FMs. A classe média era apresentada ao samba-reggae, fora do contexto do carnaval. Depois, uma geração de cantores e grupos levaria a música baiana às gravadoras. O Asa de Águia é apenas o último estouro de uma geração vitoriosa que inclui Luís Caldas, Gerônimo, Chiclete com Banana, Ara Ketu, Carlinhos Brown e Daniela.
"No mês passado, essa turma se reuniu para um show aqui em Salvador", conta Daniela. "Foi um momento histórico, uma revisão dos últimos dez anos." Daniela acompanha de perto essa história. Depois de Ivete Salgado e sua banda Eva, revelações do ano passado, ela aposta no grupo Bragadá, que já tem um hit em Salvador: a música "Pega-Pega".
"Não sei dizer que ritmo eles fazem, mas é uma coisa nova", diz. "Eles usam tuba como baixo, muita percussão, sanfona. É uma mistura do urbano com uma referência eterna, os tambores da Bahia."
Nostalgia e tchan
O grande hit do Carnaval, segundo Daniela, será "Margarida Perfumada", novidade da Timbalada de Carlinhos Brown. "Essa música lembra as canções dos carnavais antigos, as letras ingênuas."
Outro grande sucesso nas ruas deve ser "É o Tchan", do grupo baiano Gera Samba, que estourou no ano passado. Acompanhando uma letra que fala em segurar, amarrar e meter, eles fazem a dança do "tchan", com movimentos lentos e provocativos. "Todo mundo vai cantar as músicas deles e sambar miúdo, devagar, quebrando a cintura."
No percurso do Cristo ao bairro da Ondina, um garoto pede para tirar fotos. Daniela faz uma pose especial. O menino sai pulando.
Em 1996, sua popularidade tende a aumentar. Finalmente, a Globo deve produzir a minissérie "Mar Morto" (programada inicialmente para 95), em que a baiana estreará como atriz, a convite do diretor Carlos Manga.
"Ainda tenho dúvidas sobre o meu talento nessa área", diz. "Mas trabalhar como atriz é um sonho meu."
Avisa lá
Ondina é zona de concentração dos melhores hotéis da cidade. É também o ponto final da festa. "É onde os turistas mais ricos se arriscam a dar uma espiada." Não é um lugar agradável para Daniela.
"Eu sempre termino o carnaval chorando. Fico desolada." Este ano, não vai desfilar no Rio: foi convidada, mas os horários batem com a apresentação do seu bloco. Sua agenda, porém, não está fechada.
"Na quarta, sempre fico procurando alguém para tomar uma e começar tudo de novo. Se você souber de um trio que vai tocar depois de quarta, me avise. Eu vou estar lá.

Texto Anterior: O macaco é o muso do verão!
Próximo Texto: 96 é de Faróis, Bragadá e Crocodilo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.