São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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O elefante fugiu

CANINDÉ PEGADO

É extravagante, mas não surpreendente, ver o ministro Luiz Carlos Bresser Pereira reclamar por uma urgente reforma na Constituição, terminando com o direito à aposentadoria integral dos servidores sem qualquer relação com a sua contribuição.
Extravagante porque o cerne dessa oportunidade foi dado pelas centrais (CGT, CUT e Força Sindical) ao governo, quando levaram à mesa de negociação a proposta de institucionalização de um sistema previdenciário único.
Essa generosa proposta, que realmente nivelaria todos os cidadãos em um mesmo plano, discutida na segunda reunião das centrais com o governo, foi recusada pelo ministro Reinhold Stephanes, com o argumento de que não atendia a critérios "doutrinários", e pelo relator Euler Ribeiro, com o argumento que não teria viabilidade política.
Ao recusar a lucidez das centrais, o governo manteve a essência do que pretendia extinguir -os privilégios.
Nessa altura dos acontecimentos, ao recusar o sistema único, mas aceitar o "universal" apenas para o setor público (federal, estadual e municipal), o governo manteve a situação atual: a existência de aposentados de primeira e de segunda classe -os que recebem aposentadorias integrais e os que recebem as parciais.
Ao jogar no lixo a oportunidade de implantar um sistema único e universal, viu-se no dever de criar diferenciações, impondo normas leoninas para o setor público, como que compensando privilégios.
Não surpreende, na reclamação do ministro Bresser Pereira, o fato mesmo do desencontro. Lembre-se que o ministro Pedro Malan também já fez reclamações públicas no mesmo sentido.
Ao recusar a proposta do sistema único, o governo já inviabilizou muito do que parece pretender na reforma administrativa e fiscal.
Esse fato nos leva a levantar a hipótese de que o governo não esteja bem articulado em seus propósitos, ao contrário das centrais, que, certamente, cada uma em seu canto, preparam-se para os próximos debates.
De qualquer forma, a discussão da reforma previdenciária voltará à cena daqui a cinco anos (item negociado entre centrais e governo), razão pela qual a questão do sistema único deve permanecer em pauta.
Assim, a chance de democratizar a aposentadoria dos brasileiros ainda não está totalmente perdida.
Com essa compreensão, a Confederação Geral dos Trabalhadores não está nem um pouco preocupada com os pontos de "briga", hoje ocupando amplo espaço na mídia em detrimento da veiculação de assuntos realmente importantes: quem paga, como paga, quando paga; quem recebe, como recebe, quanto recebe.
Um sistema único, contempladas as funções (e não categorias) que teriam direitos especiais (por periculosidade, insalubridade e penosidade), permitiria o estabelecimento do que todos querem ver no Brasil -a democratização efetiva do sistema previdenciário.
Com todo o respeito a CUT, PT e demais partidos, fico me perguntando no que o trabalhador, o único interessado na Previdência, tem de interesse ou ganho nessa polêmica que já dura uma quinzena.
O fato é que, à margem desse lero-lero todo, o governo, as centrais, a mídia e os críticos deixaram o elefante fugir e agora tentam prender os ratinhos.

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