São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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O rapé é uma droga

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Bem, sou obrigado a louvar a atitude de dona Ruth Cardoso, não pelo que ela disse, mas porque, aparentemente, disse o que pensava -coisa rara na vida pública. Pode-se argumentar que ela, tal como o marido, disse o que o auditório circunstancial gostaria de ouvir, mas prefiro acreditar que ela foi sincera e, sinceramente, pensa aquilo que falou.
Se louvo o acidente, discuto a substância. O problema da droga não é tão complexo como aparenta. Trata-se de um produto de alto consumo, por conseguinte, de alta produção. Ninguém mais fabrica rapé nem escarradeiras: saíram do consumo. Pretender acabar com o universo marginal e criminoso que cerca as duas pontas da corda (a produção e o consumo, passando pelo intermediário que é a ponta do iceberg) será impossível se continuar existindo demanda.
Equivale a revogar a lei da oferta e procura, ou a da causa e efeito. Legalizar ou descriminalizar o consumo da droga -leve ou pesada, não importa- é aumentar obviamente o consumo. Logo, a produção será ampliada e, com ela, o tráfico.
O mais lógico seria liberar tudo, produção, tráfico e consumo, tal como acontece com outras drogas, mesmo aquelas que têm um custo social elevado, como o álcool. Beberá quem quiser e como quiser. Antigamente, havia uns copos americanos que traziam as marcas: "for ladies", "for men", "for pigs". Do ponto de vista médico e social, o alcoolismo é tão devastador como qualquer droga.
Mais cedo ou mais tarde a droga será liberada, tal como foi o álcool ou o adultério -que hoje não é mais crime. Passar a mão na cabeça do consumidor, bajulando-o, é burrice.
O consumidor é quem sustenta a rede da droga. E se há crime na droga, o consumidor é quem financia o crime. Punir o produtor e o intermediário mas livrar a cara do consumidor é, além de uma hipocrisia, uma forma de aumentar o crime. A solução mais honesta seria, portanto, liberar tudo. Como o rapé. Produzirá, intermediará e consumirá quem quiser, até que cada um descubra que o rapé é uma droga.

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