São Paulo, segunda-feira, 12 de fevereiro de 1996
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Lei de patentes

DARCY RIBEIRO

Nestes dias henricanos tenho lembrado com saudades da resposta de Floriano aos ingleses sobre como receberia a invasão de seus marujos: "À bala".
O Brasil não suportaria uma invasão inglesa, mas a decisão de brigar salvou nossa honra e disse aos ingleses que tínhamos dentes. Tempos diferentes aqueles, lá vai um século. Crescemos, mas não melhoramos.
FHC, meu queridíssimo amigo, se parece cada vez mais com Gorbatchev. Aderiu ao neoliberalismo e nos está vendendo barato, como aquele doido fez com a URSS, que esboroou. Feio destino do meu amigo. Depois de construir uma vida bela, inteligente, corajosa -lembram-se dele na reunião da SBPC em Brasília, enfrentando sozinho a ditadura?- passa a ser um presidente modernoso, delfínico, entreguista.
Episódio feio demais para meu gosto antiquado é a subserviência do governo -Parlamento e Executivo- diante do pito dos gringos exigindo urgência na aprovação da Lei de Patentes que nos ditaram. Sabidamente, ela entrega nosso futuro de mãos atadas à exploração primeiro-mundista. Sabidamente, também, se não nos agacharmos, eles chantageiam, como sempre fizeram. Não comprando nossos exportáveis, que tanto precisamos vender; exigindo pagamento imediato das dívidas que nos impõem ou nos obrigando a enfrentar, afinal, o desafio de criar uma economia mundial à prova de chantagens. Estas concessões aplacariam a fome de nosso povão, já famélico? Claro que não!
Mas os bem nutridos, que lucram com o Brasil tal qual é, teriam prejuízos medonhos. Cumpria, pois, salvar-lhes o cofre, acrescentando novas dações a tudo que já demos aos gringos e seus associados: a quase totalidade da indústria brasileira e de nosso mercado de automóveis, fármacos, químicas, metalurgia, siderurgia, cosméticos, cigarros etc.
Agora, entregaríamos até nossa capacidade de um dia sermos e existirmos para nós mesmos. Qualquer hora eles inventam uma soja melhor para fazer café que nossos cafezais. Outra soja que daria um chocolate excelente. E lá estaríamos nós, pagando royalties pelo cafezinho da manhã e pelo chocolate das crianças. Nossas vacas seriam transgenetizadas para dar leite materno ou até iogurte, na mão das nestlés.
Quem sabe ganhar dinheiro, sabe que uma empresa concentra investimentos de capitais, que paga aluguel pelos dinheiros postos nela e produz "surplus" que lhe permitem multiplicar-se.
Quando mandamos esses excedentes para fora como royalties, ele vai reproduzir-se lá. Além de darmos aos gringos os lucros que já damos, com o domínio que têm de nossa economia, assumiríamos o encargo de fazê-los cada vez mais portentosos e prósperos. E a nós, sua contraparte, cada vez mais pobres.
Não faz mal, diria FHC, seríamos sócios deles, beneficiários de suas riquezas. Olhe o Gorba, Fernando. Não somos nenhuma Rússia, mas viremos a ser, se não nos vendermos tão barato agora.
Para fazer face à desfaçatez da tal Lei de Patentes, vendo que ela passaria mesmo no Senado, apresentei uma emenda inocente.
Foi assustadiça quando a apresentei, até me prometeram aprová-la, mas logo a puseram de lado, como altamente desaconselhável e até inconveniente para os gringos. O que eu pedia era tão só que metade das rendas provenientes da aplicação da tal lei construísse um Fundo Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico, que nos permitisse ir inventando coisas, nós também, para vender aos gringos.

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