São Paulo, terça-feira, 13 de fevereiro de 1996
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Operação 'Ogum já' está no Korin Efan

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Não se entende mais nada do que acontece em Salvador, Bahia. Desde que Michael Jackson passou por lá, dançou, caiu, cantou, vestiu a camisa, mostrou que é bonito sim, espontâneo, quase normal. Desde que se trocou o boato pela confirmação -Michael Jackson é mesmo meio brasileiro.
E uma vez que o Carnaval começa no próximo fim-de-semana, só se escuta, em cada esquina da cidade, batuque de bandas e blocos; só se vê mascarado e baiana fantasiada pelos cantos, e lavagem disso, lavagem daquilo. Salvador é incompreensível, vivendo de seus deuses.
Mas o título acima explica-se. É a mistura de dois cartazes das ruas da capital baiana. O primeiro, propaganda oficial, diz: "Operação Ogum Já - novo retorno para Bonocó - mais facilidade para você". O outro: "Bem-vindo a Korin Efan". Ou seja: outra língua, outro mundo.
Nesse terreiro indecifrável para leigos, o megaestar da música apareceu humano como raras vezes se viu. Parte do fenômeno se deve ao cineasta americano Spike Lee (ou Shelton Jackson Lee, autor e diretor de, entre outros, "Faça a Coisa Certa"), que pôs Jackson para comer poeira no calor baiano-carioca.
No Brasil, o megaestar humanizou-se. É apenas um homem doente: teve o azar de pegar vitiligo e ficar famoso em excesso, vítima do devastador poder de mobilização que a música tem.
Para o menino brasileiro Alexandre dos Santos, 12, integrante da banda do Olodum que tocou com Jackson, foi ótimo o cantor ter ido a Salvador porque "a gente fica mais livre, mais conhecido, e porque é bom para ele também se distrair um pouco vendo Olodum".
Jackson certamente se divertiu. E talvez não saiba o quanto de importância trouxe para a vida de Alexandre e para as ruelas miseráveis do Pelourinho -a recente restauração do Pelourinho, obra do ex-governador ACM foi, na verdade, uma farsa; incluiu apenas um pequeno quadrilátero de ruas; o resto é abandono puro, ruínas, sujeira e fedor.
Acabou-se o boato: Michael Jackson (e não Deus) é mesmo brasileiro. Escalou as ladeiras do Pelourinho e do Dona Marta, hospedou-se num barraco do morro carioca. Emprestou seu prestígio, seu talento e seus milhões -e seu mistério, seu segredo, seu sósia, seu duplo, sua sanidade e sua loucura, sua saúde e sua hipocondria- às nossas vergonhas nacionais.
Jackson importou-se, ligou para nós (cared about us), para nossa fome, nossa violência policial, nossa corrupção, nossa injustiça, nossa miséria. E ligaria para os sem-terra, aposto, que apodrecem numa prisão do interior paulista -Diolinda Alves de Souza, Felinto Procópio, Claudemir Cano e Laércio Barbosa.
O Brasil não precisa de deuses, precisa é disso para ver se cria vergonha na cara: de outras operações assim, 'Michael Já'.

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