São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Alternativa em saúde mental

ESTELA MARA RABELO

Heureca! Palavra que a medicina deve ter pronunciado quando descobriu que hospitais renderiam muito com a produção de doentes. Atualmente a história tem revelado que o termo saúde não se restringe a medicina e que essa, além de ter se apropriado do termo, várias vezes tem deturpado seu sentido, transformando saúde em doença.
Recentemente o doutor Valentim Gentil Filho, em seu artigo (26/09/95), sugeriu que saúde mental diz respeito a psiquiatras ou, de maneira geral, a médicos, e, baseado nesse saber, expôs dados que merecem ser desmistificados.
Os dados referem-se a situação pós-"Lei Basaglia" nos manicômios judiciários, ao aumento do suicídio e à falta de atendimento. Segundo ele a situação foi agravada na Itália por causa da reforma.
Primeiramente é necessário informar que a lei 180 não é aplicada de forma homogênea em toda a Itália, devido principalmente a descentralização do Estado italiano. Por isso utilizamos a cidade de Trieste para uma visão autêntica da reforma psiquiátrica, por ser também onde tudo se iniciou.
O órgão de pesquisa sobre o funcionamento dos centros de saúde de Trieste (Centro Studi e Ricerche Regionale per la Salute Mentale), em artigo sobre os últimos 20 anos do serviço, informa que só em 1977, ano anterior ao da Lei 180, foram enviadas 15 pessoas para o manicômio judiciário e 25 entre 1978 e 94.
Há ainda um grande empenho em modificar seu estatuto, já que a lei 180 em nada alterou o estabelecimento. Deve-se enfatizar que a criminalidade relacionada a doença mental diminui, considerando a marginalidade que os aparelhos psiquiátricos proporcionavam.
Sobre o alto índice de suicídio em Trieste, especificamente, não se pode atribuir esses valores ao funcionamento dos serviços de saúde mental, pois a taxa de suicídios/ano se manteve quase constante (20 por 100.000 hab/ano) durante 20 anos (1971-1991).
Quanto a assistência aos doentes mentais, os projetos de reforma psiquiátrica brasileiros não excluem recomendação da OMS "de cuidados intensivos e de alta qualidade", como diz Gentil. Prezam ademais exigência da OMS: que os países assegurem o respeito aos direitos humanos e civis dos pacientes mentais e promovam a reorganização de serviços que garantam seu cumprimento.
E isso a experiência de Trieste e de alguns serviços no Brasil têm garantido. Os serviços alternativos não abandonam os pacientes, mas os tratam em suas casas, nas ruas, nos espaços sociais e nos centros de saúde com custos menores do que a manutenção dos manicômios.
É importante que não nos ludibriemos com mitos construídos intencionalmente sobre a loucura. Pois está provado que é possível tratar muito bem em liberdade.

Texto Anterior: Entre anjos e traficantes
Próximo Texto: 'Manobra' levou massacre à Justiça comum, diz Bicudo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.