São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 1996
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Os blefes do rombo do Tesouro

ALOYSIO BIONDI

Da noite para o dia, o governo anuncia com estardalhaço um rombo de R$ 2,8 bilhões para o Tesouro em janeiro.
A pretexto de tranquilizar o país (e os credores internacionais) anuncia, incontinenti, cortes de 50% nos investimentos em 1996, o que agravaria a recessão. Melhor seria mostrar que o déficit era previsível e pode ser combatido:
. Salários - a folha do funcionalismo normalmente dispara no primeiro mês do ano, por dois motivos: pagamento da primeira parcela do 13º salário (de 1996) e pagamento de férias (concentradas no período de folga escolar). Isto é, o Orçamento já previa esse aumento (passageiro) de despesas.
A lembrar: os salários do funcionalismo foram reajustados em 22,07% no começo de 1995, com pagamento somente em fevereiro do ano passado.
. Imposto de Renda - a arrecadação caiu, principalmente por causa da redução das alíquotas para empresas e pessoas mais ricas.
Não custa lembrar que o governo propôs essas mudanças ao Congresso alegando que elas reduziriam a sonegação -mas provocariam queda no primeiro momento. Previsível, portanto.
. Outros impostos - a única "surpresa" para o governo seria, assim, a queda na arrecadação de outros impostos, como o IPI, sobre produtos industrializados.
Mas esse recuo também era previsível desde setembro do ano passado, quando a produção industrial acentuou seu declínio. Em novembro e dezembro, a indústria paulista caiu 15% a cada mês. O recuo na arrecadação era inevitável.
As políticas recessivas sempre desembocam em queda da arrecadação e rombos explosivos para o Tesouro. É a recessão que precisa ser combatida. Não agravada com cortes nos gastos públicos.
Eles, os juros
O pagamento de juros sobre a dívida interna do Tesouro quase quadruplicou, de R$ 410 milhões para R$ 1,52 bilhão. E vai piorar nos próximos meses, pois o salto na dívida interna ocorreu a partir de julho do ano passado.
Tática velha
Além do corte nos investimentos, o governo acena com outras alternativas para reequilibrar suas contas. A aprovação do neo-IPMF é uma delas. E, óbvio, a recusa de reajustes ao funcionalismo e do salário mínimo (por causa da Previdência).
Velha tática
Em meados de janeiro, o secretário do Tesouro, Murilo Portugal, já havia alarmado a opinião pública com a informação de que o déficit anunciado de R$ 4 bilhões do ano passado havia sido ainda maior.
Segundo ele, as contas de 1995 deveriam ter incluído as despesas com salários de dezembro, embora eles fossem pagos em janeiro de 1996. E os salários de dezembro de 1994?
Manobra velha
Ao alardear que o déficit de 95 teria sido subestimado, o secretário Murilo Portugal esqueceu-se de um detalhe: houve também pagamentos antecipados, por decisão do governo, no ano passado.
Um deles, largamente anunciado: pagamento de cerca de R$ 2 bilhões aos bancos estrangeiros, em novembro -embora os compromissos só vencessem em abril de 1996.
Tática antiga
Em julho do ano passado, a equipe FHC pediu uma suplementação de R$ 3 bilhões ao Congresso, "para pagar o funcionalismo". Duas semanas depois, enviou sua proposta de reforma de sistema de cobrança de impostos...
Polichinelo
Ao antecipar pagamentos a bancos estrangeiros, em novembro de 95, o governo ganhou o direito de recomprar títulos da dívida externa, negociados com deságio (desconto) no mercado internacional.
Não será surpresa, portanto, que isso venha ocorrendo, conforme os rumores do mercado.
Arriscando
O Brasil economiza ao recomprar títulos com deságio. Mesmo assim, economistas condenam a operação.
Motivo: esses títulos têm nove anos de prazo para pagamento. São reservas verdadeiras, que não "fogem" de uma hora para a outra, como é o caso do capital especulativo que vem entrando aos jorros no país, atrás dos juros altos.
Juros que provocam "rombos". "Rombos" que assustam o capital especulativo.

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