São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 1996
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Mortos são levados em caminhão de lixo

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Sete cadáveres estirados desde anteontem no lamaçal em que se transformou a estrada do Itanhangá (zona oeste do Rio) tiveram que ser empilhados ontem de madrugada na carroceria de um caminhão de lixo para serem levados ao IML (Instituto Médico Legal).
A iniciativa de colocar as vítimas fatais do desmoronamento da madrugada anterior no caminhão foi dos bombeiros que trabalhavam no local, indignados com a demora da chegada do rabecão.
Este é apenas um dos exemplos da carência de recursos e pessoal do Estado (a quem cabe recolher os cadáveres) e do município do Rio para enfrentar as consequências das chuvas desta semana.
Reclamações quanto aos trabalhos de assistência governamental às vítimas dos temporais são constantes desde a primeira chuva forte, na noite de segunda-feira.
O prefeito César Maia (PFL) disse que a prefeitura "não tem pessoal para uma situação de emergência".
"Não adianta ter 200 homens em uma área onde poderia ter 100 porque o trabalho a ser feito é rigorosamente o mesmo", disse Maia, que previu novas tragédias caso volte a chover acima de 150 milímetros.
Subprefeito da Barra da Tijuca (zona sul) e Jacarepaguá (zona oeste), bairros mais afetados por inundações e desabamentos, Eduardo Paes pediu compreensão.
"É um trabalho complicado, demorado. Há muitas reclamações porque os bairros foram alagados. Estamos com todos os homens e máquinas disponíveis trabalhando", disse Paes.
O governador em exercício do Estado do Rio, Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), e o prefeito anunciaram que não pretendem pedir ajuda imediata ao governo federal na recuperação das áreas atingidas pelas chuvas.
Substituto do governador Marcello Alencar, que está nos EUA, Rocha sobrevoou ontem áreas afetadas na capital e interior. Ele disse que avaliará os estragos e as eventuais necessidades, antes de recorrer à União.
O prefeito foi enfático ao dizer que em nenhum momento o governo federal o procurou. "Melhor assim. Eles poderiam até atrapalhar", afirmou.
Vereadores de oposição percorreram ontem a zona oeste. Segundo Chico Alencar (PT), autoridades municipais poderão ser denunciadas ao Ministério Público por incúria administrativa caso haja suspeita de descaso na prevenção das consequências de temporais e no atendimento às vítimas.
"Obras urbanísticas não podem ser mais priorizadas que aquelas necessárias à recuperação dos locais atingidos pela tragédia", disse Alencar.
Para o prefeito, o fato de aplicar a mesma quantia (R$ 70 milhões) na parte paisagística do programa de remodelação Rio Cidade e na contenção de encostas não significa desatenção à situação dos habitantes de morros.
"O solo do Rio foi ocupado de maneira desordenada. Em 94, tentamos remover as famílias do Itanhangá. Na Cidade de Deus, a mesma coisa. Políticos conseguiram manter as famílias por meio de ações judiciais", afirmou Maia.
O prefeito disse que os favelados não aceitam ser retirados das áreas de risco. "Eles resistem. São retiradas e retornam. A Lei Orgânica dos Municípios gerou direitos de ocupação nas áreas favelizadas", disse o prefeito.
O governador em exercício preferiu não falar sobre eventuais culpados. "Não é o momento de se empurrar responsabilidades."

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