São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 1996
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Reforma pró-metalúrgicos

MAILSON DA NÓBREGA

Quando baixar a poeira das negociações e dos vaivéns em torno da reforma da Previdência, se verá que seus grandes beneficiários serão os companheiros de trabalho de Vicentinho (os metalúrgicos) e não os que dominam a CUT (os funcionários públicos).
Poeira aqui, mais do que nunca, tem um sentido figurado. Vai levar muito tempo para se enxergar através desse espesso imbróglio.
Ainda não é claro para muitos, por exemplo, que se discute, na verdade, um remendo e não uma reforma digna desse nome.
Trata-se, entretanto, de um primeiro passo. Já valeu pelo que serviu para conscientizar trabalhadores sobre a existência de privilégios na Previdência.
A reforma para valer será um processo longo. Demandará novas negociações e um ou mais ciclos eleitorais.
Em quase um ano de debate, evoluímos também nas questões conceituais. Já são muitos os que aprenderam a diferença entre regimes previdenciários de repartição simples e de capitalização. Vale rememorá-los.
Regime de repartição é o da previdência oficial. As contribuições de hoje servem para o pagamento dos compromissos de hoje. Quem trabalha, paga para sustentar os aposentados.
O ideal seria ter um sistema oficial beneficiando apenas os que não pudessem contribuir, limitado a dois ou três salários mínimos mensais. Os gastos seriam cobertos pela arrecadação de impostos sobre a renda e a riqueza.
Regime de capitalização é o da previdência privada (fundos de pensão). A contribuição de hoje serve para pagar a aposentadoria de amanhã. As contribuições vão sendo acumuladas.
Enquanto o gasto não chega, o dinheiro é posto para render. É aplicado nos mais variados ativos financeiros: ações, debêntures, CDBs, papéis do governo, títulos representativos da produção rural e assim por diante.
Regulação e fiscalização adequadas previnem aventuras com as contribuições dos participantes. Amplia-se o mercado de capitais. As empresas, os agricultores e o governo obtêm recursos a baixo custo para investir e funcionar.
Parte desse dinheiro procura o mercado imobiliário. Financia shopping centers e edifícios comerciais e residenciais. Viabiliza a securitização de hipotecas. É aqui que entram os metalúrgicos.
Nos países desenvolvidos, principalmente nos EUA, os bancos financiam a casa própria em prazos que chegam a 30 anos.
Em seguida, vendem (securitizam) a hipoteca a fundos de pensão e outros investidores institucionais. Tornam a financiar e a securitizar. É um moto contínuo.
Lá, as residências costumam ser comercializadas com tudo incluído: geladeira, congelador, fogão, aquecedor etc. Com isso, os eletrodomésticos são também adquiridos pelo prazo de até 30 anos.
Trata-se, na realidade, de um mecanismo adicional para financiar a aquisição desses bens. Soma-se ao que já existe de crédito ao consumidor nas indústrias, nas lojas, nas companhias de leasing e no sistema financeiro.
É isso que acontecerá no Brasil quando a reforma for completada. Ela vai acelerar o desenvolvimento dos fundos de pensão. Hoje, seu patrimônio é de R$ 60 bilhões. Chegará facilmente a R$ 250 bilhões em menos de dez anos.
Essa massa de recursos facilitará o acesso de milhões de brasileiros à casa própria e ao conforto da vida moderna.
Além disso, vai viabilizar a elevação dos níveis de investimento, a consolidação da estabilidade da moeda e o crescimento sustentado da economia.
A indústria metalúrgica nacional se beneficiará muito com tudo isso. Haverá aumento substancial da demanda por bens de consumo durável e materiais usados em todos os segmentos da atividade econômica, principalmente na construção civil.
Os metalúrgicos serão, portanto, os grandes ganhadores. Os perdedores serão aqueles cujas aposentadorias não guardam qualquer relação com o que contribuem na ativa: certos funcionários públicos e os parlamentares.
Os benefícios serão tanto maiores quanto mais rapidamente se estimular o desenvolvimento da previdência privada. Portanto, o teto de aposentadoria deveria ser muito menor do que os dez salários mínimos defendidos por Vicentinho.
Menos mal. Vicentinho, mais esperto do que se pensava, sabe onde quer chegar. Viu que o caminho é difícil. Terá de enfrentar radicais. Certamente já percebeu que sua categoria, a dos metalúrgicos, só tem a ganhar com a reforma.

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