São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 1996
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Carmen foi embaixadora do Brasil oficial

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REDAÇÃO

Caixa: Carmen Miranda (5 CDs)
Artista: Carmen Miranda
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 100, em média

Carmen Miranda foi, enquanto viveu, a mais legítima embaixadora do Brasil oficial. É o que mostra a luxuosa homenagem que a EMI agora lhe presta, com a caixa de 5 CDs "Carmen Miranda".
Nela estão reunidas todas as gravações da cantora na Odeon (hoje EMI), remasterizadas com tecnologia de ponta no estúdio londrino Abbey Road, o mesmo dos Beatles. São 129 canções, gravadas entre 1935 e 1940, que precedem a transferência definitiva de Carmen aos Estados Unidos, onde viveria até sua morte, em 1955.
A imagem de uma artista que, imersa no populismo getulista, serve seu país para o bem e para o mal transborda da epopéia de ouvir a caixa, que reúne as canções mais representativas de seu repertório (de 313 gravações, no todo), ainda que releve a explosão da cantora, com a marcha "Taí", e a fase "salada de frutas" nos EUA.
Desde sempre, Carmen cantou as maravilhas naturais do Brasil. Veja-se, já em 1935, "Nova Descoberta" (35), que relata a alegria de Cabral por descobrir país tão perfeito, ou "Terra Morena" (36), em que Joubert de Carvalho pergunta (e já responde): "Por que o Brasil tanto seduz/ À nossa gente, ao estrangeiro?/ É simples a resposta:/ Porque Deus é Brasileiro".
À época, Carmen nem começara a gravar intensivamente Ary Barroso, o ufanista dos ufanistas. Logo o faria, pressagiando a merencória colaboração do compositor com a política da boa vizinhança de Roosevelt, a partir de 41.
Nem ainda ela, portuguesa nascida no Porto, passara a se travestir de baiana, figura alçada a partir de Ary à condição a símbolo nacional. O traje viria em 39, com "O que É que a Baiana Tem?", canção que revelou o verdadeiro baiano Dorival Caymmi.
O tiro no alvo traria desdobramentos: Carmen iria, convidada, aos EUA cantar e atuar em Hollywood. De cantora das belezas nacionais para consumo interno, se tornava embaixadora do Brasil no planeta. Daí em diante, o Brasil passaria a significar, aos olhos externos, balangandãs, carnaval e bananas, muitas bananas.
Em outra frente, Carmen flechava o coração caboclo do Brasil com toadas de pronúncia iletrada, como "Boneca de Piche" ou "Bruxinha de Pano". Enquanto se internacionalizava, apelava ao "caboclismo" do coração interiorano brasileiro, fazendo felizes os de cá e os de lá.
A fórmula, como a caixa expõe sem máscaras, era perfeita para o sucesso total. O marketing ufanista de Carmen Miranda fez o que fizeram depois nomes tão díspares como Frank Sinatra, Beatles, Michael Jackson, Madonna, Mamonas Assassinas. Uma estrela pop.
Marginal
O marketing se combinava em proporção a ingenuidade e sinceridade. É o que explica que a mesma intérprete das maravilhas naturais tenha gravado, por outro lado, pedras brutas de marginalidade.
O forjador dessa vertente em Carmen é um mulato pobre do morro chamado Assis Valente. De sua pena, Carmen recolhe momentos antológicos, como "Camisa Listada", "...E o Mundo Não se Acabou", "Uva de Caminhão", "Recenseamento", opostos simétricos à oficialidade de Ary.
Nessa linha inscrevem-se as maliciosas, como a explícita "Eu Dei" ou "A Pensão da Dona Stella", que suspira pelo cheiro bom do bacalhau da dona da pensão.
Na corda bamba entre o oficialismo e a espontaneidade, Carmen se equilibrava embalada de sucesso. Passados fervores políticos e ideológicos, o que resta já é história. E é para a história que emerge a caixa "Carmen Miranda", ainda que pobre de informação histórica para além da própria música.

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