São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Carnaval, riso e política

JOSÉ SARNEY

O nosso Carnaval começou com uma Quarta-Feira de Cinzas: o encerramento da convocação extraordinária do Congresso. É que Carnaval e política não combinam, embora em ambos se usem máscaras.
No Carnaval, para assustar com a cara de monstros, para satirizar com a cara de personalidades da mídia que vão desde desportistas a políticos e artistas. Na máscara da política é sempre a cara de Chapeuzinho Vermelho, nunca de Lobo Mau.
É que os políticos não comem velhinhas, se bem que no tempo da campanha anticomunista tenham dito sempre que comiam criancinhas.
Mas, verdade seja dita, ninguém pode mais afirmar que o Congresso não trabalha e nem que o país não anda por sua causa. O resultado das votações mostra que as Casas -Senado e Câmara dos Deputados- limparam as pautas e aprovaram todas as emendas constitucionais julgadas pelo governo essenciais à sustentação do Plano Real.
Mas coisa boa de malhar é Congresso e, assim, para desgraça dos seus fados, o seu balanço de atividade cai nesta semana de pré-Carnaval e o quente já é o som dos tamborins.
Os que falam do humor dizem que ele tem como objetivo principal fazer o "homem rir", buscar sempre as "fontes inextinguíveis do sorriso". Na literatura, tivemos sempre grandes escritores humoristas e nenhum escritor é grande escritor sem a busca do ridículo da vida.
Lembremos Dickens e Mark Twain, sem esquecer que o maior livro da literatura mundial (eu o coloco nessa posição, mas não isolado), o "Dom Quixote", é todo ele, na sua genialidade, uma obra em que o humor perpassa sempre no clima da história.
O nosso Machado de Assis não deixou a sua pena construir nada sem que vertesse pela tinta, no bico da pena, um leve sorriso de ironia. Para sermos atuais, lembremos o Luís Fernando Veríssimo, primoroso até quando pega a gente.
O difícil no humorista, utilize ele as palavras ou o desenho, é fugir da agressão. Uns acham que o riso está na agressão. Nada mais errado. Veja-se o Chico Caruso. Ninguém mais contundente do que ele, mas a agressão não faz parte de sua obra.
Jô Soares é homem de sete instrumentos. Ele, até mesmo quando as coisas não têm graça, faz cócegas com seu talento e consegue realizar aquilo que é a essência do humor, provocar o riso. É o texto leve e agora consagrado no seu romance, com seu talento de escritor e humorista.
O Carnaval é alegria, a política é sisudez. Rir muito em política não é bom. Há sempre um homem passando fome que não gosta de ver dentes abertos.
Mas a alegria é uma conjunção do riso e da lágrima. O padre Vieira diz que os olhos foram feitos para ver e para chorar. Não somente para ver. Os cegos não vêem, mas choram. E o humor tem a virtude de transformar o choro numa manifestação de alegria.
Lembro-me de uma charge de um grande humorista francês, Peynet, que colaborava no "Paris Dimanche": uma moça tirava as folhas de um bem-me-quer, malmequer, enquanto o apaixonado, olhando, dizia: "Você se diverte em me ver chorar". Chaplin andou no mesmo caminho.
Agora, nada de choro nem vela com os males que nos atormentam na política. A hora é da alegria e do riso. Que venha um bom Carnaval!

Texto Anterior: Pra tudo acabar na quarta-feira
Próximo Texto: MAL MENOR; OFERENDA; O PREÇO DA MUDANÇA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.