São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 1996
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Nos domínios da patente

CARLOS FERNANDO GROSS

A propriedade em geral é um direito que organiza as relações sociais e econômicas entre os cidadãos, assim como propicia o bem-estar e o progresso.
Todas as sociedades impõem alguma restrição ao seu aproveitamento, seja com limites ao tempo de duração desse direito ou ao espaço de que se pode dispor.
Da mesma maneira, o novo Código de Propriedade Industrial que está para ser aprovado pelo plenário do Senado deverá regulamentar uma série de temas polêmicos. Entre eles, os que versam sobre patentes de biotecnologia e o "pipeline".
A decisão sobre o novo código é eminentemente econômica e não de natureza ética ou moral. Aqui não se trata de um direito inalienável do homem.
Estão em jogo, neste momento, um princípio e um consenso: 1. Sem uma lei adequada, passamos ao largo de uma tendência internacional de recompensa ao esforço criativo e inovador, por intermédio da chamada propriedade intelectual, reconhecida pela própria Organização Mundial do Comércio.
2. Desperdiçamos também um excelente instrumento de promoção científica e tecnológica e de atração de investimentos internacionais.
O Senado, no final de 1994, ratificou o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt), juntando-se o Brasil ao grupo de 164 países que passaram a adotar as regras básicas do acordo, entre elas as relativas à propriedade intelectual (TRIPs).
Com isso, o Senado já determinava os parâmetros que viriam a balizar a legislação de patentes ora em discussão.
O TRIPs propõe aos países em desenvolvimento um período de até dez anos para implementarem uma nova lei. Os demais deverão fazê-lo em um ano.
No entanto, o projeto de lei aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado admite a figura do "pipeline" -uma forma de proteção aos produtos ainda em fase de desenvolvimento, que tem validade pelo prazo que restar no país em que foi originalmente concedida a patente.
Essa decisão vai permitir, na prática que a nova lei entre em vigor, quatro anos antes de sua promulgação.
É como se emitíssemos uma nota de cobrança -uma duplicata- com data de emissão de hoje e vencimento há passados quatro anos. E com a possibilidade de cobrança em cartório.
O "pipeline" corresponde a retroagir as regras do jogo. O empresariado nacional, que reconhece os benefícios de uma nova legislação de patentes, entende que não há condições de atender o "pipeline", nem sequer contemplado pelo TRIPs.
Há quatro anos, o setor jamais poderia ter acumulado os recursos necessários para o pagamento de royalties.
Informa o ilustre senador Fernando Bezerra, relator do projeto de lei aprovado e também presidente da Confederação Nacional da Indústria, que as empresas nacionais não seriam obrigadas a pagar nenhum centavo de royalties ou outros dispêndios quaisquer.
Se assim será, para que, então, inserir esse dispositivo na nova legislação?
Desde a Convenção de Paris sobre a proteção da propriedade industrial, em 1883, o princípio da novidade deve ser tomado de maneira absoluta.
"Ela não possuirá essa característica se, antes da patente, houver sido conhecida mesmo no país mais longínquo ou nos tempos mais recuados".
Não é privilegiável, portanto, toda invenção ou novidade que esteja no domínio público. "É impossível recuperar do domínio público o privilégio do qual ele se apoderou."
O "pipeline" fere justamente esse princípio secular, constante da Convenção de Paris.
O Senado já aprovou as regras básicas da nova legislação de patentes, em dezembro de 1994. Agora é só regulamentar o que já havia ratificado, em princípio, em nome da nação.

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