São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Como enganar o BC

CELSO PINTO

Desde 1993 o Banco Central vem brincando de gato e rato com o mercado financeiro em relação às aplicações em dólares. Cada vez que o BC fecha um canal, o mercado encontra outro. O capítulo mais recente foi o pacote da semana passada.
O vilão da história, do ponto de vista do BC, é o investidor que traz dólares do exterior para aplicar em renda fixa no Brasil, aproveitando-se da generosa diferença de juros.
Este é, tipicamente, o capital puramente especulativo, que entra e sai com a velocidade dos espertos.
Para reduzir o ganho e obrigar o aplicador a deixar o dinheiro um pouco mais de tempo no país, o BC criou um IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), hoje de 7%, para este tipo de aplicação.
E foi procurando fechar todas as portas pelas quais o mercado continuou trazendo dólares para aplicar em renda fixa, aqui, sem pagar o IOF.
Nesta guerra já foram proibidas inúmeras manobras. No último pacote, o BC criou um IOF sobre fundos de privatização, que eram usados como aplicações de renda fixa.
Além disso, proibiu que dinheiro captado lá fora fosse usado, mesmo que temporariamente, para comprar títulos públicos do governo.
Com estas medidas, mais uma medida anterior que criou um IOF sobre dinheiro que entrava em contas de não-residentes (as famosas CC5) pelo câmbio flutuante, o BC proclamou vitória final.
Tudo indica, contudo, que foi apenas mais uma batalha.
Um banco que capte dinheiro no exterior, sob a forma de empréstimo (resolução 63) ou bônus, não pode mais usá-lo para aplicar em títulos do governo.
No entanto, nada impede que este banco empreste o dinheiro a uma empresa e que esta empresa faça a aplicação para o banco, em troca de uma participação nos lucros.
Outra forma de fazer a mesma manobra é um banco repassar os dólares que captou para outro banco e este outro banco emprestá-los a uma empresa que é controlada pelo primeiro banco.
A proibição é que o banco aplique em títulos do governo, não que uma empresa o faça, mesmo que ela seja controlada por este banco.
Do mesmo modo, ao taxar com IOF a entrada de dinheiro pela CC5, o BC dificultou, mas não eliminou, a manobra que era feita antes da proibição.
O princípio desta manobra é simples. Alguém no Brasil precisa de dólares para pagar uma conta (um importador, um tomador de empréstimo em dólares etc.), enquanto alguém que está no exterior tem estes dólares e gostaria de transformá-los em reais para aproveitar as altas taxas de juros brasileiras.
O que o mercado fazia era uma troca, em que o investidor lá fora pagava a conta do devedor brasileiro -que, por sua vez, depositava os reais equivalentes na conta não-residente (CC5) do investidor externo.
Na hora de trocar os reais por dólares, no final da operação, não havia, nem há, qualquer problema, já que não incide o IOF.
Sem poder transitar pela CC5, os investidores passaram a sofisticar a operação.
Usando, por exemplo, uma empresa aqui de confiança do investidor externo.
Em vez de depositar os reais na CC5, o importador aqui dá o dinheiro, de alguma forma, a uma empresa de confiança do investidor externo.
O BC não tem como checar ou interferir nesta operação. Na hora de voltar a transformar os reais em dólares e remeter para o exterior, tudo é feito pelo câmbio flutuante, sem IOF.
O próprio BC sabe de investidores externos que entram com os dólares no Brasil sob a forma de investimento direto, registrado devidamente.
O dinheiro vai parar numa holding aqui, engorda com aplicações em renda fixa e, no final, é remetido de volta sem pagar o IOF.
Para se defender destas manobras, o BC tem usado, desde outubro do ano passado, a tática da blitz telefônica.
Manda recados duros aos bancos: se o BC descobrir uma operação cujo objetivo implícito é sonegar o IOF, fará punições, mesmo que toda a arquitetura do negócio seja legal. Valeria o espírito da lei, não a lei escrita.
Como, no entanto, as leis no Brasil valem pelo que está escrito, o BC acabou tendo que detalhar várias situações que considerava ilegalidades.
Desde que foi baixada a medida provisória que ampliou os poderes do BC, aumentou a possibilidade de um banco sofrer um processo administrativo e até ter sua carteira de câmbio fechada, temporária ou definitivamente.
O diretor de câmbio do BC, Gustavo Franco, diz ser o campeão de multas ao mercado. De fato, as manobras diminuíram em volume.
Para eliminar de vez este jogo, contudo, só haveria uma solução: ter taxas de juros internas mais próximas às externas (mais um prêmio de risco).
Enquanto isto não acontecer, quanto mais portas o BC fechar, mais interessante ficará a margem de lucro para quem encontrar uma nova porta.

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