São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Erros antigos e consequências novas

ROBERTO CAMPOS

Estes dias, o assunto "desemprego", por causa de uma série de mudanças na economia mundial, está hoje ganhando nova repercussão, depois de décadas em que ficou guardado na prateleira dos problemas técnicos interessantes, mas não urgentes.
Mas é, também, dos temas que se prestam a maiores confusões, por ideologia ou desinformação, ou, como é mais frequente, pela mistura de ambas as coisas.
O desemprego vem aumentando há anos nos países altamente industrializados.
As sucessivas crises detonadas pelos choques dos preços do petróleo, na década de 70, induziram uma forte exacerbação da concorrência internacional e uma aceleração do processo de substituição tecnológica de mão-de-obra por equipamentos.
Como todos os câmbios econômicos dessa natureza, as reverberações são complexas e requerem tempo para sua "metabolização".
As taxas mais elevadas se acham nos "welfare state", nos "Estados assistenciais" altamente industrializados da Europa ocidental.
E há razões para isso, que a opinião pública e os políticos desses países estão sendo obrigados a considerar, depois de umas três décadas em que parecia que o "welfare state" podia ser deixado a ronronar em paz, como um gato gordo na sua almofada.
Sob o ponto de vista da "lógica" econômica estrita, a principal razão para algum fator ficar desempregado reside no fato de ele não aceitar a remuneração que pode encontrar no mercado -na formulação ortodoxa, remuneração que é igual ao "produto marginal" desse fator.
É muito fácil de entender quando aplicado a fatores não-humanos. Nenhum empresário compraria uma máquina que não prometesse um retorno maior do que o seu custo.
Qualquer fator, dado o caso, pode ficar temporariamente desempregado ou subempregado: terra e recursos naturais, equipamentos e outros bens de capital. E esse pode ser um problema sério numa recessão.
Mas o que mais assusta é o desemprego do fator "trabalho". Trata-se afinal, de gente, de famílias que, ociosas ou não, têm de continuar a consumir, ao contrário de máquinas, que podem ficar fisicamente paradas sem risco.
Nas economias onde existe mais flexibilidade salarial e mobilidade geográfica da mão-de-obra, como nos Estados Unidos, as taxas de desemprego são usualmente mais baixas e a recuperação mais rápida do que nas economias em que há significativos entraves, como nos países europeus.
Neste, empecilhos vários e, sobretudo, a legislação trabalhista relativamente pródiga e minuciosa (imposta no período de grande turbulência política e econômica, do fim dos anos 20 até os 50) tem tornado difícil, nas condições atuais de crescente abertura externa das economias, reduzir as taxas de desemprego abaixo da marca dos 10%.
Hoje, é claro, nesses países os desempregados não correm mais o risco de miserabilização -um dos pontos intensamente focalizados pelo marxismo no século 19 e no começo do atual, quando pouco existia em matéria de seguro-desemprego e de medidas compensatórias.
Os custos de garantir aos desempregados um razoável nível de consumo repartem-se pelo conjunto da sociedade, o que quer dizer que uma parcela substancial é paga pelos próprios empregados.
Assim, em parte, o que entra por um lado sai por outro. Mas, é claro, não se pode deixar de reconhecer que muita gente se apega à sensação de segurança representada pelas garantias formais legisladas ou negociadas pelos sindicatos, ainda que, na realidade, também esteja pagando por elas.
Assim, há certa margem de opção entre mercados mais rígidos e maiores custos com o desemprego, ou vice-versa.
Em poucos lugares, no entanto, haverá uma legislação trabalhista mais inepta e antieconômica do que no Brasil, complicada por um sistema sindical copiado do fascismo italiano e uma estrutura de Justiça trabalhista pesadíssima e disparatada, com funções que, em outras partes, cabem aos mecanismos de negociação.
Essa negociação surgiu durante a ditadura de Vargas, com o fascismo e o nazismo em ascensão e as liberdades políticas e econômicas em baixa.
Em parte para imitar o que se fazia em outras partes durante a Depressão, e em parte porque Vargas percebera a oportunidade de organizar um movimento político carismático como "Pai dos Pobres".
Nesse momento, era barato dar privilégios a uma elite de trabalhadores urbanos que não ia além de um quinto da população ocupada.
Desde então, a economia brasileira mudou estruturalmente, devido ao crescimento industrial e à urbanização (de 65 a 80, por exemplo, cresceu a cerca de 9% ao ano).
No final dos anos 70, uma nova geração de líderes sindicais começou a afirmar a sua autonomia.
Mas a base institucional e legal continuava a mesma e, no meio da crise internacional (a recessão de 80-82 foi a mais violenta desde 1930, e em final de 82, a inadimplência mexicana precipitaria por vários anos o fechamento das fontes externas de capital financeiro) e com a abertura política à vista, ninguém se ocupou do assunto.
Em 1988, a nova Constituição provocaria uma séria regressão, ao expandir privilégios sem pensar nos custos.
Essa estrutura obsoleta constitui, hoje, o maior óbice ao aumento do emprego e à eficiência competitiva da economia.
Algumas lideranças sindicais -no caso, notadamente, metalúrgicos de São Paulo- compreenderam a necessidade de flexibilização e tomaram a iniciativa de negociar com os empregadores algumas exceções às exigências trabalhistas mais onerosas.
Iniciativas desse gênero são comuns em outros países, nos Estados Unidos, por exemplo, e mesmo na Alemanha, onde o grande instrumento regulatório é o contrato coletivo livremente negociado.
No Brasil, parece que alguns juristas já objetaram que legalmente não vale.
É um jurisdicismo nefelibata, que ignora duas coisas: a) que 57% da força de trabalho já está fora da lei, no mercado informal; e b) que a alternativa à flexibilização dos custos salariais é o salário zero do desemprego.
Da CUT, cuja base é o setor público corporativo, não se deve esperar uma atitude moderna, apesar de um recente diminuição da irracionalidade.
A flexibilização da legislação sindical e trabalhista tornou-se urgente para maximizar o salário direto e o nível de emprego.
Mas a matéria não se esgota aí. Não há como resistir à "globalização" econômica.
E a abertura internacional tem vantagens (na teoria clássica, a redução dos preços para o consumidor), mas obriga a ajustes que podem ser penosos para alguns.
O problema, como há mais de meio século se sabe no pensamento econômico, é complicado, porque os ganhos não se distribuem uniformemente por todos os fatores de produção.
A verdade é que alguns perdem os empregos pela concorrência e outros pelas transformações tecnológicas. E, de qualquer modo, a adaptação a novas tarefas nunca é instantânea. Pode tomar meses e até anos.
A solução sensata não está na preservação do sistema atual, que está prejudicando toda a economia do país -sem se falar no que representa como restrição das liberdades.
Há medidas de política econômica que podem ser tomadas, sem prejudicar o funcionamento do mercado nem a liberdade de escolha das pessoas.
No governo Castello Branco, por exemplo, ao mesmo tempo em que se promoviam as reformas que acabariam com os piores defeitos do "passivo trabalhista" -que literalmente estava sufocando a modernização do país- e se liberalizava a economia, instituiu-se o programa de habitação e eliminou-se gradativamente a confiscatória legislação do inquilinato.
Com isso, tornou-se novamente possível às pessoas investirem suas economias em construir imóveis -em vez de estarem, como hoje, reduzidas ao papel de financiadoras das dívidas do governo.
Com isso, se estimulou o emprego no setor mais sensível e de menor qualificação da mão-de-obra, a construção civil.
As outras medidas foram o Estatuto da Terra, para criar novas oportunidades na área rural e incentivos à exportação. "Exportar é a solução" era o slogan da época.
Hoje, com o Estado falido e inoperante, mas o país, sob ele, potencialmente pujante, ainda a política mais imediatamente eficaz consiste em dar o máximo de liberdade às forças econômicas e estimular os setores em que possa ocorrer a mais rápida absorção de mão-de-obra de baixa qualificação.

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