São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Quatro dias de Cinzas

JANIO DE FREITAS

No carnaval das reformas, a única para valer foi a do Carnaval. Precisávamos mesmo desses quatro dias de Cinzas, iniciados ontem, para tomar fôlego, que já na quarta-feira (a de Cinzas no tempo do atraso) o grande Carnaval recomeça. E lá vêm mais 365 dias de folia. Não há como recusar: é a convocação reformista do Príncipe Momo.
Foi uma reforma cuidadosa, atenta aos pormenores. Não havia mais graça nas fantasias de pirata e Carlitos, de sultão e odalisca. A reforma providenciou figurinos atualizados. Mas teve, nisso, a sabedoria de preservar o esconderijo prometido pelas máscaras. O que quer que não tenha funcionado bem, foi por culpa só dos foliões, nem sempre originais.
Ficaram excessivamente iguais, por exemplo, as fantasias de democratas preocupados com os problemas sociais, usadas pelo bloco do PSDB. Mesmo que forçada pelas conveniências, a criação de algumas alas, com alguma variação de fantasia entre elas, teria quebrado a monotonia. No desfile tão longo, de um ano inteiro, depressa as arquibancadas se cansaram da visão repetitiva.
O mesmo se passou com a fantasia de patriotas desinteressados do poder, usada pelo bloco do PFL. Mas sua monotonia cansou menos as arquibancadas, porque é um bloco que jamais cantou para o populacho. E só se mantém no desfile pela compra de votos dos jurados.
Os blocos do Congresso e do governo foram tão parecidos que se confundiam. Se o povão tinha alguma esperança de melhor desfile, era nos blocos de rua. Mas a mocidade independente não apareceu, dizem que trocou o samba no pé pelo rock no pó e o apito da bateria pelo apito na praia.
As máscaras voltaram à moda, são o maior sucesso da reforma do Carnaval. A preferida é, de longe, sobretudo entre foliões de governo, a máscara de honrado. Mas a de bem-intencionado, a de competente, a de intelectual, essas e outras semelhantes foram muito escolhidas. No bloco do PSDB as máscaras foram complemento essencial da fantasia.
Nas fantasias individuais, aí sim, a fácil criatividade brasileira se mostrou. Antônio Carlos Magalhães despindo-se do lobo conhecido, e aparecendo de cordeirinho na comissão do Sivam, foi uma boa. Por falar em Sivam, Ramez Tebet não gostou da fantasia de senador da República, que vestiu por umas semanas, e na hora do relatório preferiu desfilar ao natural. Mas sucesso, mesmo, foi Vicentinho fantasiado de Luiz Antônio de Medeiros. E cantando, ao ritmo de repente atravessado da bateria da CUT, o eterno samba-enredo da Força Sindical. Os jornalistas ficaram encantados.
E eles próprios encantaram também as arquibancadas, que logo os identificaram. Apesar das máscaras, ninguém teve dúvida: vinham cantando a antiga marchinha, lá dos anos de Getúlio ditador, revivida como o seu hino nestes tempos de reformas carnavalescas:
"Lá vem o cordão dos puxa-sacos
dando vivas aos seus maiorais.
O cordão dos puxa-sacos
cada vez aumenta mais".
Descansemos, que os próximos quatro dias de Cinzas só depois de mais um ano inteiro de Carnaval.

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