São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Confete e serpentina

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

A escravidão, tema que o presidente da República conhece tão bem de sua vida acadêmica, pode ser a solução.
Uma vez que o aumento da produtividade, os avanços tecnológicos e a globalização econômica parecem excluir de seus planos uma considerável horda de humanos, condenada a vagar, esfarrapada, pela zona fantasma do capitalismo triunfante, o retorno ao sistema da escravatura torna-se uma idéia no lugar.
Não uma adoção total, claro, já que é preciso algum mercado. Mas algo como um "contrato temporário de escravidão", no qual os desempregados se ofereceriam voluntariamente à servidão, que poderia ocupar, digamos, até 25% da mão-de-obra de cada empresa.
Não haveria encargos sociais, cabendo unicamente aos senhores empresários alimentar e dar teto a suas almas.
Inscrições abertas, com certeza presenciaríamos uma corrida em massa às portas das fábricas.
Ou você duvida?
*
É impressionante como os pobres atrapalham o Brasil. É uma gente que não estuda, não produz, enfeia as cidades, favorece epidemias e estimula a criminalidade.
Como se não bastasse, pobres escolhem péssimos locais para morar. Com tanto espaço, barracos horrendos são erguidos precariamente em encostas de morros e margens de córregos, com esgoto aberto, sem as mínimas condições de higiene e segurança.
E não é por falta de aviso. As autoridades vivem alertando sobre os perigos que tais abusos acabam gerando. Mas não adianta.
Depois chove, aquilo tudo desaba, morre gente, e a culpa acaba caindo sobre prefeitos e governadores -que, como se sabe, estão há décadas empenhados em fazer com que essa gente more melhor, tenha acesso à educação, ao saneamento, à vida decente.
É irritante.
Por que o Boris Casoy não dá uma banana para os pobres?
*
O Sivam, enfim, teve parecer favorável da comissão do Senado, e deve passar pela avenida do plenário. De um modo geral, a imprensa, que há meses abria manchetes para apontar irregularidades, registrou melancolicamente o fato.
O método dissuasivo do presidente da República -que vai conseguindo evitar gestos bruscos em nome do "processo" que conduz do Planalto- mais uma vez triunfou.
A dissuasão também vai obtendo bons resultados na área sindical, cada vez mais propensa a negociar e dividir com o governo responsabilidades nas reformas.
O presidente parece ter domínio total da situação -e, ao Congresso, cada vez mais desgastado, resta espernear.
*
Mas nada disso importa muito, ao menos nessa semana em que o transe carnavalesco toma conta do país.
Com chuva ou sem chuva, com Sivam ou sem Sivam, com dinheiro ou sem dinheiro, o Brasil mergulha na sua apoteótica folia de inversão de papéis e dissipação de hierarquias. E finge, mais uma vez, nesse ritual orgiástico, que somos todos iguais e felizes.
Evoé Momo!

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