São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Desabrigados voltam a área de risco no Rio

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Sem assistência dos governos do Estado e do município, cerca de 500 pessoas voltaram a ocupar os barracos da favela Sítio do Pai João, no Itanhangá (zona oeste do Rio), onde 17 pessoas morreram soterradas, na última terça-feira.
Os moradores reclamam que não estão recebendo alternativas dos órgãos públicos, com orientações sobre onde poderão ir morar.
Os deslizamentos e as enchentes causadas pelas chuvas da semana mataram 68 pessoas no Estado do Rio e deixaram cerca de 6.000 desabrigados só na capital, de acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social.
O prefeito do Rio, César Maia (PFL), durante a semana, rebateu a crítica dos favelados, dizendo que eles insistem em ocupar áreas de risco. "As pessoas resistem. São retiradas muitas vezes e retornam para as favelas", disse Maia.
No trajeto existem 150 barracos. Os moradores temem novos acidentes no caso da volta dos temporais, mas reocuparam as casas dizendo que não têm para onde ir.
A favela não constava da lista das 12 encostas de alto risco da cidade mapeadas pela Geo-Rio (Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio).
O orçamento da Prefeitura para o biênio 95/96 destina para as obras de contenção de encostas R$ 73 milhões, mesmo valor previsto para os trabalhos de embelezamento de ruas e praças da cidade.
O marceneiro Ícaro da Silva Nunes, 55, vive na favela com a mulher e dois filhos pequenos. Uma sobrinha dele morreu no desmoronamento. "Se me derem outra casa eu saio, vou embora, mas até agora não apareceu ninguém para ajudar. Não tenho para onde ir", disse Nunes.
A situação do marceneiro é semelhante à da desempregada Vanda Soares, 30. Cega do olho esquerdo, com uma filha paralítica de 12 anos para cuidar, além de dois filhos mais novos, um deles de quatro meses, Vanda disse que teme ter o destino dos que morreram na avalanche.
Ela, os filhos e o marido desempregado moram em um barraco de madeira de um cômodo apenas. Por poucos metros o casebre não foi atingido por toneladas de lama, pedras e árvores.
"Cheguei a ir para a casa de minha mãe, aqui na favela, mas voltei. Não dá para ficar todo mundo morando de favor", disse.
Na manhã seguinte à queda da encosta, a Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros interditaram a favela por causa do perigo de uma segunda avalanche.
Os desabrigados se alojaram na igreja São Bartolomeu, onde deveriam ter sido credenciados pela Secretaria de Habitação do Estado, para mudar para um lugar seguro.
Vilma Ferreira Pereira, 23, dona de uma birosca na favela, disse não ter se credenciado porque ninguém a procurou. "Não avisaram nada", disse ela, testemunha da tragédia. Ela conta que acordou com um estrondo e, ao olhar pela janela, viu os barracos serem soterrados pelo lamaçal. "Eu até sairia daqui se tivesse um lugar para ir, mas não tenho."

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