São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Janeiro pode terminar em fevereiro

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Janeiro" teve 15 dias a mais neste ano. É que muitos analistas esperavam um janeiro forte nas Bolsas do mundo todo, fruto de fatores como a queda dos juros nos EUA no final do ano passado. Mas talvez não passasse de janeiro.
Quando o índice Dow Jones (indicador da Bolsa de Nova York) ultrapassou os 5.000 pontos, a comemoração foi generalizada. Quando bateu em 5.500 pontos, o ambiente ficou eufórico.
Apareceram os profetas, dizendo que até o ano 2000 o indicador chegaria a 12 mil. Janeiro, que para alguns seria talvez um último momento de alta antes de uma forte correção técnica, parecia destinado a durar para sempre.
Mas na semana passada Wall Street começou a derrapar. Talvez janeiro não seja eterno. Talvez.
Os indicadores de atividade econômica nos EUA continuam ambíguos. Na sexta-feira, com uma alta que levou os juros nos títulos de 30 anos do Tesouro norte-americano para a vizinhança de 6,25% (andava ameaçando cair abaixo dos 6%), os mercados tremeram.
Especialmente os emergentes, como os latinos, cuja dinâmica depende hoje mais do que nunca da manutenção de um fluxo vigoroso de dinheiro do centro para a periferia. Quando os juros sobem no centro, o apetite dos investidores por riscos na periferia diminui.
Na semana passada, refletindo essa preocupação, os títulos de dívida externa e as Bolsas latinas derraparam na curva. Buenos Aires fechou na sexta-feira com queda de 3,18%. São Paulo caiu quase 2%. O México foi a exceção, com a divulgação de dados mostrando que a sua desestruturação econômica começa a ser revertida.
Mas, afinal, por que o Dow Jones subiu tanto nas últimas semanas? Em 95 a alta foi de 33,5%, valorização digna de economia emergente. O principal estimulante foram os fundos mútuos, que absorveram US$ 32 bilhões nas seis primeiras semanas deste ano.
No ano passado os administradores desses fundos foram céticos com relação à Bolsa. Tiveram de correr para sair do prejuízo. Uma das teorias diz que eles estariam fazendo o mesmo agora.
Existem também as teorias dos fundamentalistas, que acreditam na subordinação dos mercados, em última análise, ao que de fato acontece no lado real da economia ou com mecanismos mais consistentes que as expectativas de rebanho dos investidores.
A queda dos juros, por exemplo, é um poderoso fator de estímulo. Mas os juros caem movidos a decisões do Fed (o banco central dos EUA). E o Fed reduz os juros porque acredita que a economia está patinando rumo a um desaquecimento que, segundo os mais pessimistas, aproxima-se perigosamente da recessão.
Se houver recessão, as empresas com ações negociadas nas Bolsas terão seus lucros afetados, distribuirão menos dividendos e, portanto, frustrarão os investidores.
Ou seja, a análise fundamentalista reconhece o impulso dos juros declinantes que leva as ações para o alto, mas leva em conta ainda que o "fundamento" desse impulso é uma economia real onde os lucros sofrem e o destino das empresas é incerto. Se de repente o rebanho se dá conta disso, pode subitamente começar a correr para o outro lado, vendendo os papéis e derrubando seus preços. Seria um salve-se quem puder.
O mínimo que se pode dizer agora é que os riscos de continuar nesse mercado cresceram muito. E se os juros nos EUA caíram nas últimas semanas, foi também na semana passada que o Bundesbank (banco central alemão) reuniu-se para decidir que suas taxas de juros ficam onde estão. Há rumores de que o Banco do Japão vai subir suas taxas num futuro próximo.
Ou seja, além dos fatores domésticos como fundos mútuos, taxas de juros e nível de atividade econômica, os investidores nas Bolsas dos EUA estão de olho também no que acontece com o dólar nos mercados internacionais. Juros mais altos fora dos EUA tendem a provocar vendas de dólares (e de ativos em dólares), desvalorizando a moeda dos EUA e minando seus mercados financeiros.
E os juros no Japão podem subir, segundo Wataru Kubo, ministro das Finanças, para não prejudicar os investimentos dos pensionistas japoneses. Na semana passada surgiram os primeiros sinais de que a economia do Japão pode estar saindo da recessão. Mais um motivo para uma alta futura dos juros que, antecipada nos mercados globalizados, pode eventualmente encurtar o janeiro infinito dos "touros" de Wall Street.

Texto Anterior: O busílis
Próximo Texto: Qualidade made in Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.