São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996 |
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Qualidade made in Brasil
LUÍS NASSIF Tempos atrás o colunista foi convidado para um almoço na sede da Fundação Cristiano Ottoni, em São Paulo. Ligada à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a fundação é um dos pilares na disseminação dos conceitos de qualidade no país.Na mesa estavam o presidente da Fundação, Vicente Falconi, e dois diretores de grupos nacionais. "Estamos muito à frente dos Estados Unidos em programas de qualidade", dizia um deles, da Brasmotor. "Não temos medo de ninguém", aduzia o outro. Parecia bazófia de cidade de interior. A confirmação veio através da Xerox do Brasil. Na última avaliação anual do grupo, a filial brasileira levou todos os prêmios -marketing, satisfação dos clientes, satisfação dos empregados, equilíbrio dos resultados, melhor desempenho global no continente americano, melhor desempenho global no mundo e um especial, destinado a quem levou todos os demais. Por trás desse desempenho -explica seu presidente Carlos Salles- existe um estilo brasileiro de gerência, que em breve vai se consagrar no mundo. É o mesmo estilo que fez da Philips brasileira, de Frans Sluiter, da Shell, e da Souza Cruz, entre outras, as mais eficientes filiais dos respectivos grupos. A base desse estilo é a descomplicação, a capacidade de pegar um conceito, limpá-lo de todo ritual e fazê-lo funcionar, graças a um componente precioso da cultura brasileira: a criatividade, a capacidade de improviso, o jeitinho. Ritualismos Nos Estados Unidos as grandes empresas são reféns dos consultores e de um formalismo emburrecedor, explica Salles. Ao contrário do pragmatismo do brasileiro, o americano é ritualista, jamais consegue encontrar o desvio. Além disso, há uma pressão pesada, que torna as S/As reféns da indústria da consultoria. Se não aceitam o último modismo, são criticadas pelos analistas, consideradas defasadas pelo mercado e passam a ser pressionadas pelos acionistas. "Aqui é tudo divertimento", explica Salles. "Chutamos o pau da barraca, e sempre que surge o Drácula burocrático para nos assombrar, acenamos com a cruz dos resultados". Exemplo clássico da diferença de cultura está no programa "Anjo da Guarda", criado pela filial de Brasília. Decidiu-se montar programa envolvendo todos os funcionários da empresa, para atender aos pequenos clientes. Cada funcionário, de qualquer setor, ficou responsável por cerca de 40 clientes. Cliente a cliente foi contatado, para que o funcionário se apresentasse como seu "anjo". Se falhassem os mecanismos normais de atendimento, bastaria ligar para o anjo, que iria atrás da solução. O programa permitiu à Xerox do Brasil dispor do melhor índice de satisfação dos clientes. A matriz mandou um executivo para entender a maravilha. Onde está o manual? Não tem. E a regulamentação? Também não. E as estatísticas para ter controle sobre o processo? Não há necessidade. Jamais os "anjos da guarda" encontrarão espaço para voar no firmamento americano. Caminho Por enquanto os programas de qualidade estão restritos a empresas de ponta. Gradativamente começam a tomar conta de outros setores da vida nacional. Escolas, pequenas empresas, poder público. É questão de tempo para que se transformem em componente indelével da cultura brasileira. É essa mudança de paradigma que levará o país a se transformar em uma das grandes nações do próximo milênio, exorcizando para sempre os fantasmas da cultura burocrática luso-hispânica, os vícios do paternalismo estatal e o anacronismo dos modelos empresariais familiares. Texto Anterior: Janeiro pode terminar em fevereiro Próximo Texto: Momento é bom para abrir capital, afirmam analistas Índice |
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