São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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O lado direito dos sapos

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Porque algumas pessoas são canhotas e outras são destras? A ciência ainda não tem respostas definitivas para essa dúvida, mas uma descoberta recente mostra que a questão é antiga.
Pesquisadores na Itália e na Austrália descobriram que o uso preferencial de um dos membros também existe entre sapos.
Com isso, dizem eles, essa preferência no uso das mãos -ou das patas- parece ter uma longa história evolutiva entre os "tetrápodes" -os animais vertebrados que possuem quatro membros, como anfíbios, répteis, aves e mamíferos. E os anfíbios, como os sapos, são os mais primitivos dentre eles, tendo surgido antes na história da vida na Terra.
A questão não é trivial. Ser destro ou canhoto está ligado à lateralização do cérebro, isto é, à "divisão de trabalho" entre os dois hemisférios do órgão.
"Nós especulamos em um trabalho anterior, feito com galinhas, que o hemisfério esquerdo é dominante no controle da ação, mas isso é apenas especulação", disse à Folha o chefe da equipe de pesquisa, Giorgio Vallortigara, da Universidade de Udine, Itália.
O novo trabalho do cientista envolveu sapos de uma espécie comum, a Bufo bufo, coletados de populações naturais na Itália, e de outra espécie, a Bufo marinus, coletados na Austrália.
Os pesquisadores colocaram os sapos no meio de um tanque circular seja com um balão de plástico enrolado na cabeça, seja com um pequeno pedaço de papel molhado colocado na boca e no nariz. Foram feitos dez testes sucessivos.
Os sapos preferiram, na maioria, usar a pata direita para se livrar do incômodo. Ou, em outras palavras,"nós relatamos aqui a primeira prova de assimetria comportamental no uso de patas dianteiras ao nível de população em duas espécies de anuros", como escreveram os pesquisadores.
Além de Vallortigara, a equipe incluiu Angelo Bisazza e Claudio Cantalupo, da Universidade de Pádua, na Itália, e Andrew Robins e Lesley Rogers, da Universidade de Nova Inglaterra, na Austrália- em uma carta publicada na seção de correspondência científica da revista científica britânica "Nature", no começo do mês.
O fato de sapos e seres humanos preferirem em geral a mão (ou pata) direita, não quer dizer que isso seja universal, diz Vallortigara. "A maioria das espécies de papagaios usa a pata esquerda para segurar comida, mas é bem conhecido que existe uma espécie de papagaio que faz o contrário", diz o cientista italiano.
Em aves canoras, o hemisfério esquerdo em geral é dominante no controle do canto, mas há pelo menos uma espécie que mostra o contrário. "As razões dessa diferença são desconhecidas", diz ele.
Vallortigara especula com a possibilidade de que, embora a assimetria do cérebro seja geneticamente estabelecida, a direção dessa assimetria possa depender de fatores ambientais.
"Um bom exemplo é de novo a galinha: nos últimos dias antes do nascimento, o embrião é orientado de modo que a luz possa estimular o olho direito, mas não o esquerdo. Isso resulta em assimetria na anatomia do cérebro e no comportamento. Galinhas geradas na escuridão ainda são lateralizadas, mas apenas em nível individual -isto é, 50% na direita, 50% na esquerda", diz ele.
As galinhas não costumam usar as patas para se alimentar, mas usam a pata da direita de preferência para ciscar o solo.
"Aparentemente o cérebro dos vertebrados tem uma predisposição intrínseca para evoluir assimetrias de função, mas é um fator embriológico-comportamental que determina o alinhamento da assimetria na mesma direção em mais de 50% dos indivíduos em uma população", afirma o pesquisador.
Saber quais são esses fatores que determinam a direção da assimetria pode não ser fácil de descobrir. A equipe estuda agora o modo como sapos se alimentam, para tentar compreender a sequência de comportamentos associada ao uso preferencial das patas.

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