São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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EUA temem atestar México sobre drogas

TAD SZULC
DO "INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE"

O presidente dos EUA, Bill Clinton, enfrenta uma das mais difíceis decisões de seu governo em política externa: emitir ou não um certificado ao México atestando sua obediência às diretrizes internacionais do combate ao narcotráfico. O prazo final para a emissão do certificado exigido pela legislação dos EUA é 1º de março.
O problema é que o México, que tomou o lugar da Colômbia como principal fornecedor direto de cocaína e outras drogas aos EUA, não está cumprindo os compromissos que assumiu relativos ao combate ao tráfico.
Mas o governo norte-americano teme que a não-concessão do certificado possa solapar os esforços do governo mexicano para superar a mais profunda crise econômica e política no país desde a Grande Revolução, de 1910.
Devido à inusitada e alarmante penetração de narcóticos e imigrantes ilegais mexicanos nos EUA, o México hoje talvez represente o mais grave e complexo problema de segurança nacional de longo prazo para os EUA desde o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80 -e é um problema que está literalmente ao lado.
Sem qualquer solução real em vista, o México está se tornando uma prioridade política altamente delicada para a administração Clinton, sobretudo neste ano eleitoral, quando sua controvertida política mexicana passa a ser alvo de atenção.
Além do flagelo das drogas e dos imigrantes ilegais, o destino do México é importantíssimo para os EUA porque o colapso das instituições mexicanas -ainda uma possibilidade ameaçadora- poderia desestabilizar as economias de todos países latino-americanos, e de outros também. Além disso, o México é o terceiro maior mercado de exportação dos EUA, depois do Canadá e do Japão.
O México já está sendo visto pelas organizações financeiras internacionais como "a primeira grande crise do século 21". No ano passado, havia chegado "à beira do desastre financeiro", nas palavras do presidente Clinton.
O desastre foi evitado, pelo menos temporariamente, quando a administração Clinton reuniu um pacote internacional de socorro no valor de US$ 48 bilhões para escorar as finanças mexicanas.
Apesar dos esforços do presidente Ernesto Zedillo para tirar seu país da crise, o prognóstico ainda é incerto ao extremo.
Os investidores ainda não recuperaram confiança na economia mexicana. E com a corrupção de enormes dimensões corroendo o governo, além de assassinatos políticos não resolvidos, o futuro da democracia no México também é um ponto de interrogação.
Inevitavelmente, as relações EUA-México têm sido extremamente delicadas, dada a dependência mexicana de Washington, e é por isso que a decisão que Clinton precisa tomar em pouco tempo sobre a emissão do certificado antinarcotráfico é tão importante.
Pela lei americana, os países que não seguem as recomendações de uma convenção da ONU contra o tráfico de narcóticos podem perder metade da ajuda econômica norte-americana, e os EUA podem se opor à concessão de empréstimos de instituições internacionais a esses países.
No caso do México, a questão é tão complexa e potencialmente explosiva, tanto a nível nacional quanto no que diz respeito à relação básica entre EUA e México, que a administração concluiu que é o caso de optar pelo mal menor.
Conceder o certificado, apesar da não-obediência mexicana, encorajaria as operações dos cartéis mexicanos do narcotráfico; recusar a concessão certamente prejudicaria em muito a imagem do presidente Zedillo em seu próprio país.
O fluxo crescente de drogas e imigrantes ilegais do México e a crise interna mexicana estão tão ligados que os EUA precisam tratá-los como parte de um problema global com o vizinho ao sul, com quem compartilham uma fronteira aberta de 3.200 km de extensão, que se estende do golfo do México ao oceano Pacífico.
Segundo avaliações extra-oficiais de representantes do governo no início do ano e também segundo declarações públicas, a situação que os Estados Unidos enfrentam no México é a seguinte:
- De alguns anos para cá os cartéis mexicanos, que são operações multimilionárias extremamente sofisticadas do crime organizado, vêm tomando o lugar dos cartéis colombianos (Cali e Medellín) como os principais fornecedores de drogas de todo tipo para os EUA: cocaína, heroína, maconha e metanfetamina ("speed").
Hoje, cerca de 75% de toda a cocaína que entra nos Estados Unidos passa pela fronteira mexicana. O volume de heroína que entra no país dobrou nos últimos cinco anos, e, de dois anos para cá, a metanfetamina produzida nos EUA tornou-se uma "ameaça crescente" e a droga mais usada na Califórnia e no resto do sudoeste do país, o que o governo qualifica de "uma enorme explosão".
Os cartéis mexicanos, usando aviões quadrimotores de carga para transportar pasta de cocaína da América do Sul para o México e depois até os EUA por via terrestre e em contêineres fechados em navios, tomaram o lugar dos colombianos na distribuição de cocaína pura no sudoeste dos EUA e ao longo de toda a Costa Oeste do país. Os cartéis lavam bilhões de dólares nos EUA e mandam outros bilhões para a América Latina.
Nas palavras de Stephen H. Greene, vice-administrador da DEA (Drug Enforcement Administration, o órgão encarregado do combate às drogas nos EUA), num depoimento recente perante o Senado, "a situação do narcotráfico no Ocidente nunca esteve tão séria quanto hoje... A máfia de Cali formou uma parceria com organizações de transporte no México, com quem trabalha de mãos dadas para contrabandear quantidades cada vez maiores de drogas pela fronteira dos EUA".
- Apesar dos recentes compromissos de alto nível assumidos com os EUA, incluindo promessas feitas pessoalmente pelo presidente Zedillo ao presidente Clinton, as autoridades mexicanas ainda não estão lidando efetivamente com os cartéis poderosos que operam em seu país. Representantes de Washington afirmam extra-oficialmente que a responsável por essa ruptura na legalidade mexicana é a "corrupção avassaladora" em todos os níveis.
Eles vêm avisando que, a não ser que esta situação seja remediada, o México se transformará em uma "narcodemocracia", onde os barões das drogas exercerão controle efetivo sobre todas as instituições, excetuando as Forças Armadas -como já aconteceu, em grande medida, na Colômbia.
A prisão efetuada em meados de janeiro, em Monterrey, de Juan García Abrego, chefe do cartel do Golfo, um dos quatro mais ativos no México, é vista como louvável exceção num histórico policial mexicano de outro modo insuficiente.
A Casa Branca qualificou a prisão de "apenas um primeiro passo", e foi aventada em Washington a teoria de que García Abrego, que figurava na lista dos mais procurados do FBI, tenha sido "sacrificado" para garantir que Clinton emita o certificado mexicano.
O México tem a tradição de envolvimento de seus políticos com o narcotráfico. O irmão do ex-presidente Salinas, Raúl, por exemplo, está preso no país, acusado da morte do secretário-geral de seu partido (PRI) José Francisco Ruiz Massieu. Ele é suspeito de envolvimento com os cartéis de drogas.
Segundo altos representantes dos EUA, só o presidente Zedillo e o secretário da Justiça, Antonio Losano Gracias (cujo gabinete orquestrou a prisão do traficante), têm a total confiança dos EUA.
A dimensão do contrabando de drogas pode ser definida pelo fato de que, em 1993, o último ano para o qual se tem cifras completas, 200 toneladas de cocaína em estado bruto entraram nos EUA vindas do México. Seu valor foi calculado em aproximadamente US$ 20 bilhões, o grosso dos quais ficou com os cartéis mexicanos.
Os volumes que entram atualmente são muito maiores, mas só o lucro obtido em 1993 excede em muito o orçamento do governo norte-americano para todas as operações nacionais e internacionais de combate às drogas, que chega a US$ 13,4 bilhões.
Robert S. Gelbard, secretário-assistente de Estado para o combate ao narcotráfico internacional, afirmou diante do Senado que "este é um período crítico para os EUA e o México na frente de combate ao narcotráfico".

O jornalista TAD SZULC foi correspondente do jornal "The New York Times" em vários países, entre eles o Brasil, entre 1955 e 1961. Polonês naturalizado norte-americano, escreveu o livro "Papa João Paulo 2º: A Biografia".

Tradução de Clara Allain

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