São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 1996
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Rendição ou luta

JOSÉ RAINHA JUNIOR

A pedido do delegado de polícia Marco Antonio Fogolin, de Sandovalina (SP), o juiz Fernando Marcondes decretou minha prisão preventiva, juntamente com a de Diolinda Alves de Souza, minha companheira, e de Laércio Barbosa, Claudemir Marques Cano, Felinto Procópio e Márcio Barreto, no dia 25 de janeiro último.
O pedido de prisão teria sido decretado porque fazemos parte de uma organização, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que luta pela reforma agrária e defende que todos os latifúndios improdutivos devam ser desapropriados para fins de reforma agrária. Aliás, como estabelece a Constituição Federal.
Não quero gastar o espaço que a Folha está me proporcionando para analisar as atuações e interesses que levaram o delegado e o juiz a decretarem as prisões preventivas. Esses interesses estão totalmente evidenciados na conversa que essas autoridades, juntamente com o promotor de Justiça Paulo Sérgio Ribeiro da Silva, mantiveram com nosso advogado, dr. Jovelino Strozake, no dia 31 de janeiro.
Nessa conversa o delegado Fogolin deixou claro que os quatro trabalhadores que se encontram detidos são reféns políticos e que minha prisão tem o único motivo de dar satisfação à sociedade e de enaltecer o ego pessoal do delegado. Dessa forma ficou revelada a conivência do Estado com os interesses do latifúndio.
Portanto não cabe a mim analisar a conduta dessas autoridades.
Aguardamos um posicionamento das autoridades sobre esses acontecimentos. Porém é bom que as autoridades se dêem conta de que não podem tomar decisões apenas para atender seus interesses e vaidades pessoais. A abertura democrática permite que a sociedade fiscalize e exija uma atuação dos poderes constituídos, dentro das normas jurídicas, éticas e morais vigentes em nosso país.
Mas por que acontecem as ocupações em latifúndios improdutivos ou em terras públicas? Em nenhum lugar do mundo, em nenhum momento da história da humanidade os que estão marginalizados conquistaram alguma coisa sem ser por meio da organização e da luta social. Exemplo mais evidente aconteceu com o governo Covas. Nós nos comprometemos a parar com as ocupações se ele fizesse o assentamento das famílias acampadas. Não o fez, tivemos de retornar às ocupações.
Por isso, nesse momento em que o presidente Fernando Henrique Cardoso afirma que não atenderá as reivindicações dos setores que estão mobilizados, referindo-se especificamente aos sem-terra e pequenos agricultores do sul do país, nada mais está fazendo do que repetir o discurso dos governos autoritários do regime militar.
Se as mobilizações são culpadas pelo não-atendimento das demandas sociais, por que o governo não atende as reivindicações dos setores da saúde pública, da educação ou de geração de empregos, que ainda não estão ocupando prédios públicos, na tentativa de garantir condições dignas de trabalho e de vida?
É preciso que o governo FHC deixe cair a máscara e assuma que está governando o país para atender os interesses de uma pequena minoria da população e jogando o restante à miséria, como rezam todas as cartilhas dos governos neoliberais. E o governo que tem como objetivo a instituição do Estado mínimo, centrado no modelo da exclusão social, só pode garantir a "paz" por meio da repressão e do autoritarismo. Querem a paz dos cemitérios.
Na questão da reforma agrária o governo segue a mesma linha política. Estabeleceu metas pouco ambiciosas em seu plano de governo (assentar 280 mil famílias em quatro anos) e tem uma prática mais inibida ainda. É por isso que os conflitos fundiários como os de Corumbiara (RO) voltaram a acontecer com frequência e as ocupações se multiplicaram em todos os Estados. Nós atuamos porque o governo é ineficiente no atendimento das demandas sociais.
Também já é hora de as autoridades perceberem que a luta social não é determinada pelo trabalho ou vontade de uma ou outra pessoa. Se pensam que a luta pela terra ou as ocupações irão parar com minha prisão ou com a prisão de seis ou sete lideranças dos trabalhadores rurais, estão completamente enganados.
As terras devolutas da região do Pontal do Paranapanema serão destinadas à reforma agrária, mesmo contra a vontade de um delegado de polícia, de um juiz ou dos latifundiários da região. Caberá ao governo atender as reivindicações ou fazer uso da força para abafá-la por determinado tempo, quando retornarão com mais intensidade.
Neste momento em que o Brasil é governado por um presidente que diz ter sofrido perseguição política e o exílio, estou confinado ao isolamento e silêncio. Será essa a vida que os governos neoliberais reservam para aqueles que ousam propor soluções para os problemas sociais? Fomos excluídos do direito à terra, do direito ao trabalho. Agora querem nos excluir do direito à liberdade de lutar por mais justiça social e dignidade ao nosso povo.
Neste momento está me sendo proposto um dilema: a rendição ou a luta. Rendição para salvar minha mulher. Rendição para rever meu filho, ainda que através das grades. Rendição para que Diolinda possa recuperar a liberdade e o filho. Rendição para continuar lutando por um ideal em que acredito.
Lutando pela reforma agrária, por justiça social, igualdade e uma vida mais digna ao nosso povo. Rendição ou continuar lutando para derrotar os poderosos que cada vez concentram mais riquezas, terras e poder. Esse compromisso de luta é também um compromisso de vida, e dele não abro mão.

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