São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
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A culpa não é da chuva!

WAGNER COSTA RIBEIRO

Para muitos moradores do Estado de São Paulo, tanto da capital quanto aqueles que vivem nos extremos do Estado -como em Presidente Prudente ou Ubatuba-, este verão tem sido associado a muitas perdas.
Infelizmente, o prejuízo não é apenas material. Já totaliza algumas dezenas o total de mortos em decorrência dos escorregamentos e alagamentos a que foram submetidos.
Propagada como a fonte de todos os males, a chuva intensa que atinge o país neste período do ano não é a responsável pelas mortes e perdas materiais. Afinal, a chuva, em si, não age sobre os seres humanos, a não ser molhando-nos! A raiz das perdas está no fato de seres humanos ocuparem (para morar ou trabalhar) áreas de risco, isto é, áreas que estão sujeitas à instabilidade de um geossistema.
Acusar a chuva pelos problemas deste verão é jogar a culpa nos processo naturais, eximindo da análise os processos sociais que estão no cerne da distribuição da propriedade da terra urbana, do acesso à moradia (tema que vem merecendo destaque nas reuniões que antecedem a próxima reunião das Nações Unidas sobre as cidades), da ocupação das várzeas com avenidas e indústrias, da ausência de infra-estrutura básica para se reproduzir a vida com dignidade, para citar alguns exemplos. Afinal, ninguém vai morar em uma encosta íngreme porque quer, mas sim por absoluta falta de condição de pagar até mesmo um aluguel residencial.
Naturalizar as matrizes dos problemas graves que parte dos paulistas têm sofrido neste verão só serve para desviar o debate para uma falsa questão. Ainda que este verão esteja atingindo índices pluviométricos mais elevados, ele não apresenta dados que estejam fora de que é previsto e conhecido cientificamente para a estação em um país com clima tropical úmido.
Na verdade, é na produção do espaço urbano, em seus meandros políticos, econômicos e especulativos, que devem se centrar o debate e as intervenções. Medidas que evitem a ocupação de morros, de fundos de vale e que evitem ainda a impermeabilização excessiva da área urbanizada de um município deveriam pautar a ação dos dirigentes das cidades.
Porém, mais que isso, é necessário que àquelas medidas sejam somadas políticas habitacionais, visando a prover os habitantes de moradia decente. Por fim, como é uma ilusão acreditar que esses problemas cessarão a curto prazo, é urgente que se arquitetem sistemas de emergência para atender as vítimas. Do contrário, não vai adiantar muito apenas ficar torcendo para que chova menos no próximo verão...

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