São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 1996
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"Piso" da taxa de juro é de 1,9% ao mês

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

1,9%. Guarde este número. Essa é a taxa efetiva de juros considerada pela maioria dos analistas financeiros ouvidos pela Folha como a mais baixa possível nas atuais condições.
Juro respeita feriado e finais de semana -só rende em dias úteis. Taxa efetiva é a soma do ganho obtido em cada dia útil.
Para chegar a 1,9% ao mês, os juros teriam de cair o equivalente a quase 5% ao ano. O ritmo de queda é ditado com extrema cautela e parcimônia pelo BC.
Tanto que essa meta só seria parcialmente atingida em julho, quando a taxa seria de 1,98%, prevê o mercado futuro com base na forma de atuação do BC.
Essa taxa projeta um juro anual de 25,3%. É o suficiente, acreditam os analistas, para manter o fluxo de capitais externos, cujo acesso, consideram unanimemente, deve ser preservado.
O mercado estima uma correção para o câmbio da ordem de 8% no ano. Logo, o ganho bruto em dólar (não descontada a tributação) ficaria na marca dos 16% ao ano -quatro pontos percentuais abaixo do que é pago atualmente.
1,9% não é um número cabalístico. É o resultado de uma conta simples: essa taxa comporta uma inflação de 0,6% ao mês mais o redutor de 1,3%, utilizado no cálculo da TR (Taxa Referencial), que corrige os saldos da caderneta.
Ou seja, mantida a atual fórmula de cálculo, desde que a inflação fique comportada em 0,6%, a queda dos juros fará a caderneta voltar ao passado -rendendo, em termos reais (descontada a inflação), 0,5% ao mês.
Caso a inflação supere esse patamar, o ganho real de 0,5% seria "comido", ficando menor ou desaparecendo.
Na prática, portanto, um dos limites para a queda dos juros é dado pela fórmula de cálculo da TR.
O BC diz estar estudando a mudança na fórmula de cálculo. Já faz um mês -e até agora nada.
Segundo os analistas, o governo deve estar retardando ao máximo a mudança porque ela significa aumento nos custos dos devedores em TR, como a agricultura.
Inevitável
Mas, já que a trajetória dos juros é de queda, a mudança é vista como inevitável. "A menos que o governo queira pagar juros negativos (menores do que a inflação) na caderneta, o que não é razoável", diz Joaquim Elói Cirne de Toledo, vice-presidente da Nossa Caixa Nosso Banco.
Defensor de taxas ainda mais baixas, da ordem de 11% a 12% ao ano sobre o câmbio, Cirne de Toledo acredita que o redutor teria "que cair fortemente para viabilizar a queda dos juros" e arrisca um número: de 1,3% para 0,5%.
A preocupação dos analistas com a fórmula da TR é, na realidade, um subproduto.
"A grande pergunta é qual seria o impacto dessa redução no nível de atividade e no comportamento dos investidores", afirma Oswaldo de Assis, do Banco Itamarati.
Assis pondera que o governo não dispõe do ajuste fiscal, já que não foram realizadas as reformas para "segurar" o consumo.
Apesar disso, ele acredita que o BC poderia acelerar o ritmo de queda, rompendo a barreira dos 2% de taxa efetiva.
"O resultado da balança comercial foi melhor do que o mercado esperava, a inflação está calma, o nível de atividade não é preocupante e o déficit público deve cair em fevereiro."
Walter Brasil, do Banco Real, vai mais longe. Para ele, se dependesse exclusivamente do êxito do governo nas reformas, os juros não poderiam cair do patamar atual. "Mas, graças às excelentes condições de liquidez internacional, as taxas podem vir para 12% a 15% ao ano em dólar."
Assim, o mérito pela queda dos juros no Brasil deveria ser creditado aos governos norte-americano, japonês e dos países europeus.
Cirne de Toledo discorda. "Não é o juro que está segurando a atividade. É a perda do crédito."
Para ele, quando o governo anunciou que a trajetória das taxas era de queda, já tornou praticamente nulo os efeitos das taxas elevadas de juros.
É como, compara, "se o governo anunciasse hoje que em março seria feita uma maxidesvalorização. O que aconteceria em março? Nada. Por quê? Porque o mercado reagiria agora e tudo que teria para acontecer já teria acontecido".
Embora não vincule o ajuste fiscal à queda dos juros, Cirne de Toledo acredita que a falta do primeiro gera incertezas com a possibilidade de movimentos especulativos contra a moeda, que ele chamou de "pânico de multidões".
"É como brincar de roleta-russa. Quando aperta o gatilho, você não sabe se vai morrer, mas o risco é grande."

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