São Paulo, terça-feira, 20 de fevereiro de 1996
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Americanos ditam as regras no evento

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM BERLIM

O festival de Berlim continua sendo território americano. Tudo gira em função dos seus filmes para a temporada de lançamentos. E esta é a estação para John Travolta e Danny DeVito (com "Get Shorty"), Emma Thompson ("Sense and Sensibility"), Jodie Foster ("Home for Holidays"), Quentin Tarantino ("From Dusk till Dawn"), Oliver Stone ("Nixon") e Bruce Willis ("12 Monkeys") estarem disponíveis.
E o grosso da imprensa segue as regras do mercado, como também se vê nos festivais de Cannes e Veneza: lotação total só para os filmes made in Hollywood. Mesmo para produtos periféricos como "Unforgettable", de John Dahl, escolhido para inaugurar a seção Panorama. Ficção-científica a serviço de um roteiro convencional com pistas falsas sobre mortes misteriosas. Um médico-legista vira cobaia com um soro extraído do cérebro das vítimas e vive as lembranças das pessoas assassinadas, inclusive as de sua mulher. O filme é o primo pobre de "12 Monkeys", de Terry Gilliam.
O festival vende o seu peixe com oportunismo. No ano passado, como auto de expiação, no aniversário da capitulação fascista, o evento teve filme e jurada de Israel para a competição. Este ano, nada de Israel na seleção oficial.
Como sempre, fica parecendo covardia ter alguns filmes na lista da competição. É o caso do pastoral e terno "Sense and Sensibility" ("Razão e Sensibilidade"), de Ang Lee. Não esperem desta vez um filme de confusão sexual ou profusão culinária. Seus dotes cinematográficos estão a serviço de Emma Thompson e para o delicado roteiro que ela adaptou de um romance de Jane Austen. O filme é cheio de sentimentos nobres e lições morais como os de James Ivory.
"Noite Silenciosa" ("Stille Nacht"), do alemão Dani Levi, foi o mais inspirado que o festival já teve em competição desde a unificação das Alemanhas.
Menos inspirado em triângulo amoroso e com mais pretensões literárias do que de cinema, também foi visto na competição o australiano "What I Have Written", de John Hughes. "Get Shorty", do americano Barry Sonnenfeld, e o francês "Os Mentirosos", de Elie Chouraqui, usam a metalinguagem para construir roteiros complicados sobre personagens que desaparecem misteriosamente e vivem uma outra personalidade. Por coincidência, os dois se referem a dinheiro mafioso, investido no cinema para ser lavado.
Houve também mais uma fascinante adaptação britânica de Shakespeare com "Richard 3º", de Richard Loncraine. Ian McKellen faz um monarca inspirado nas articulações do nazismo nos anos 30. A adaptação tem um visual fascinante. Seu reino não fica por conta de um cavalo e sim de tanques imbatíveis.
A mais impressionante produção até o momento na competição foi a produção anglo-americana "Restoration", de Michael Hoffman. É um afresco gigante, luxuoso e nauseante sobre a Londres de 1660 a 1665, no período da restauração da monarquia absolutista de Charles 2º. Um roteiro caótico e cheio de concessões para ter leituras fáceis, reconstitui com extravagância de imagens e do ponto de vista de um estudante de medicina a frenética corte que protegia ciências e artes, a terrível peste bubônica e o grande incêndio que consumiu quase toda a cidade.
"Restoration" é uma produção da esperta Miramax, que investiu no fenômeno Tarantino, consegue ser a melhor porta de entrada de filmes estrangeiros no mercado americano e se dá ao luxo de manipular as confusas regras do prêmio Oscar para ter "O Carteiro e o Poeta", filme italiano com direção inglesa de Michael Redford, concorrendo ao prêmio de melhor filme do ano.

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