São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 1996
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Cybergatos passeiam pela Internet

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Ultimamente, quando me sento diante do computador para passear pela Internet, tenho sentido a presença fantasmagórica de alguém ou alguma coisa me observando por cima do ombro.
Quando ergo os olhos do teclado e olho em volta, ouço o barulho de um vulto nebuloso pulando para se esconder.
Isso vem acontecendo há um bom tempo -isto é, um bom tempo cyberespacial. Outro dia tive sorte. Enquanto eu configurava meu browser da Netscape (ou seja, Joãozinho enquanto esquentava as baterias), me aprontando para mais uma sessão compulsiva de navegação pela Net, vislumbrei o vulto do canto do olho.
Era Millicent. Quer dizer que esse tempo todo, quem vinha me espionando era a velha Millie -a gata peludinha do meu vizinho.
Millicent me faz visitas frequentes, passando por uma entrada no porão que só ela conhece.
Os gatos, como todos sabem, são bichos curiosos. Eles têm a paciência infinita dos deuses. (Eu me junto aos egípcios antigos, que sabiam que os gatos eram sagrados.)
Eles também são espertos o suficiente para entrarem em qualquer universidade do primeiro time. Basta lembrar o poeta T.S. Eliot e seus amigos felinos em Oxford.
Assim, sequer fiquei surpreso quando Millicent saltou displicentemente do chão para meu colo, e do meu colo para o teclado do meu computador Big Mac. Esticou-se com toda tranquilidade, como uma Garota Vargas posando para a velha revista "Esquire", e me lançou um olhar provocante sob os cílios semicerrados. Começou a ronronar em tom sexy.
Tio Dave já andou com gatinhas suficientes em sua vida para entender sua linguagem internacional.
Compreendi com toda clareza que Millicent se tornara uma gata realmente cool.
Ela estava no cio -pelo computador. Millicent se transformara numa gata computadorizada!
Eu sei tanto sobre gatos digitais quanto um banqueiro português sobre emprestar dinheiro, por isso comprei um exemplar do manual básico dos amantes de felinos cibernéticos, "Internet for Cats" (Internet para Gatos).
O livro foi escrito por um gato de nome Bubbles. (Não joguem a culpa em mim -esse nome nada eletrônico, que significa "bolhas" em inglês, consta na capa do livro.) Foi traduzido por Judy Heim, também autora de "I Lost My Baby, My Pickup and My Guitar on the Information Highway" ('Perdi Meu Bebê, Minha Picape e Meu Violão na Superinfovia').
"Internet para Gatos" foi escrita sob medida para felinos precoces como Millicent. O livro contém dicas dirigidas a ela, sobre a maneira correta de pisotear teclados de computador, como usar percepção extra-sensorial felina em computadores remotos à distância, utilizando um controle remoto muito canino chamado FTP, como controlar o ratinho (o tipo que acompanha o computador -mouse) e como enviar mensagens apimentadas a outros gatos através do correio eletrônico.
O livro contém algumas aulas básicas de "netiqueta" (regras de comportamento), que ajudarão Millie a manter-se longe de brigas. E, para pessoas não-felinas como você e eu, inclui uma lista de todos os endereços felinos mais cool na Internet.
O Miado do Gato
Os gatos adoram a Internet.
O aumento enorme de endereços de correio eletrônico aos quais você pode escrever para obter amostras grátis de ração para gatos (isso é verdade) provavelmente deve muito a esse notável aumento de popularidade felina.
Outro fato verdadeiro e fortalecedor da popularidade dos gatos é que "home pages" felinos na World Wide Web vêm pipocando às centenas em países tão inesperados quanto Holanda e Japão. Tudo que um gato precisa fazer para ler mais sobre seu mundo é clicar em cima do rato.
Há grupos de discussão para gatos na Usenet, listas de correio para gatos, "perguntas formuladas com frequência" a gatos e até mesmo servidores "gopher" (arquivos de computador de acesso remoto) para gatos.
Por que gatos?
Os gatos têm um interesse duradouro por computadores. Essa afirmação brilhante pode ser confirmada pela observação de uma gata como Millicent, enquanto ela olha fixamente para a tela do computador, ou persegue o ratinho em volta do mouse.
Com certeza nenhum outro aparelho fascina os gatos a tal ponto, desde a invenção do abridor elétrico de latas.
Deixados sozinhos com um computador, os gatos o tomam para si, com resultados desastrosos para nós, seus donos de direito, e profundamente, eroticamente, prazerosos para eles. Eles reprogramam operações-chaves, roem recipientes de CD-ROM e deixam pêlos em todos os buraquinhos que se possa imaginar.
O autor do livro, o acima-mencionado Bubbles, fugiu com o generoso adiantamento pago a ele pelo editor ingênuo e deixou para trás uma confusão de anotações, correio eletrônico de uma gatinha chamada Cuddles (Fofinha) e um telefone celular desconectado.
Meias de gata
Judy Heim tomou a seu cargo a tarefa ingrata de compor um livro legível a partir das anotações incoerentes deixadas por Bubbles.
Mais do que qualquer outra coisa, Bubbles queria ver mais gatos na Internet. Para um gato, disse ele, a vida na Net é "como uma gaveta cheia de meias elásticas -não importa onde você enfia a pata, sempre encontra alguma coisa interessante para roer".
Não foi fácil reconstruir o livro a partir das pegadas deixadas por Bubbles pelo teclado: "...iqwiwiseipala. slllllllllee.e.sei..." Com compostura felina, Judy Heim fez o melhor que pôde.
Ela sequer se desculpou pela descrição mal-humorada feita por Bubbles de um grupo de discussão na Usenet (rec.pets.cats) como "um bando de pessoas com cabeça de canário que enviam correio eletrônico com teorias idiotas sobre o porquê de seus gatos lamberem as paredes, como se houvesse algo de errado nisso".
Bubbles, o cybergato
Nas poucas anotações legíveis que deixou antes de partir para alguma ilha tropical, Bubbles ofereceu conselhos para potenciais Internautas de quatro patas.
"Você, e não os micreiros imbecis que correm soltos pelo cyberespaço, é um animal de grande beleza e inteligência.
"Você, e não a ralé ignorante que compõe mensagens sem conta sobre o porquê dos gatos comerem fitas de celofane, é descendente direto do deus-gato egípcio Bastet.
"Você, e não aquele pedaço de plástico que tão facilmente se confunde e ao qual chamam computador, é tema de canções, poemas e tapeçarias há milhares de anos.
"Em suma, mantenha em mente que é você quem é o ser superior -aos seres humanos e a qualquer pessoa e qualquer coisa com quem possa topar na superinfovia. Você é superior à própria Internet.
"Basta lembrar-se disso e você virará cybergato rapidinho".
Bubbles também sugeriu que antes de iniciar sua árdua vida de gato computadorizado, o cybergato deveria afundar suas unhas num instrumento vital -um pauzinho com uma pena numa das pontas-, com que poderá brincar "quando se cansar da Internet e dos idiotas que a superlotam".

Tradução de Clara Allain

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