São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 1996 |
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Mostra reúne arte de mulheres latino-americanas
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
A exibição está no Museu Nacional das Mulheres nas Artes, a única instituição dos EUA dedicada apenas a mulheres artistas. Segundo Susan Fisher Sterling, curadora de arte moderna e contemporânea do museu, a idéia da mostra surgiu quando ela e outras amigas se indignaram com o fato de uma retrospectiva em Nova York de artistas latino-americanos do século 20 ter selecionado só 15 mulheres. A retrospectiva a que Sterling se refere aconteceu em 1993 no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e foi considerada a mais extensiva jamais montada sobre arte latino-americana, com 300 trabalhos de 95 artistas. Para reparar o que considerou sub-representação de mulheres na mostra do MoMA, Sterling e Geradine Biller, do Museu de Arte de Milwaukee (Wisconsin) iniciaram a preparação da exibição agora mostrada em Washington (depois de ter passado por Milwaukee, Phoenix e Denver). Elas reuniram 150 trabalhos de artistas de nove países e de Porto Rico e os dividiram em três períodos históricos: de 1915 ao fim da Segunda Guerra Mundial, de 1945 aos anos 70 e as décadas de 80 e 90. Pinturas, esculturas e instalações estão na mostra. A questão principal da exibição, que nem suas próprias organizadoras conseguem responder é: qual a relevância, do ponto de vista artístico, de reunir obras de arte feitas por mulheres na América Latina? Ou, de outra forma: o que diferencia a arte de homens e mulheres no subcontinente? Geraldine Biller joga o problema para o público: "A audiência vai ter que decidir se há ou não uma estética comum entre as artistas mulheres latino-americanas. Os sentimentos expressos são específicos do gênero ou da cultura? Seus trabalhos poderiam ter sido criados por um homem?" É muito provável que, na maioria dos casos mostrados na exibição, sim. "O Farol", de Anita Malfatti e "Lagoa Santa", de Tarsila do Amaral poderiam ter sido pintados por homens. O tema de alguns trabalhos na mostra pode sugerir preocupações femininas, como "Canción de Cuna", da colombiana Beatriz Gonzáles (uma pintura feita sobre o estrado de um berço) ou a série "Bazurto", também de Beatriz Gonzáles, que retrata mulheres e frutas. Mas esse tipo de separação por conteúdo talvez não agrade às feministas, pois ela só reforça a divisão do universo entre "coisas de homem" e "coisas de mulher." As feministas talvez prefiram ver como característica feminina o estilo introspectivo, indicador de exploração de vida interior, da mexicana Frida Kahlo. É mais seguro que a condição feminina das artistas na mostra tenha influenciado seu trabalho, mas não de maneira a diferenciá-las dos homens como categoria. É difícil isolar a "variável mulher" das outras que compõem uma artista: época em que nasceu, sociedade em que se criou, mestres que teve, artistas com quem viveu. Mesmo a categoria "latino-americana" é duvidosa, sendo a América Latina o subcontinente tão exposto a outras culturas que é. Das 34 artistas na mostra, 11 são ou foram emigrantes ou filhas de emigrantes. Na América Latina dos últimos 80 anos, as influências européia, asiática e norte-americana se mesclaram tanto com as africanas e indígenas, que é quase impossível se falar em "arte latino-americana". Sem contar que cada país e às vezes cada região de cada país funde esses elementos de maneira diferenciada. O que coloca Brasil e México sob um mesmo rótulo? Que traços culturais colocam o Brasil melhor junto ao México do que junto a Portugal ou os EUA? Embora seja altamente suspeito que faça sentido juntar como se pertencessem a uma mesma espécie os trabalhos dessas 34 mulheres, a mostra é bonita, está bem montada e vale a pena ser vista, devido à boa qualidade da maioria das peças. Texto Anterior: Cybergatos passeiam pela Internet Índice |
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