São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 1996
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Eles se entendem

JANIO DE FREITAS

Já que estamos condenados a ver o ataque do presidente ao Congresso render ainda alguns dias, é melhor deixar logo registrada a impressão de que Fernando Henrique Cardoso, acusando os parlamentares e os partidos de só fazerem lobby, tratou do assunto com conhecimento raro em presidentes. Não por ser sociólogo.
Toda a sua ação para ver aprovado o Sivam no Congresso foi tipicamente de lobby e caracterizou-o como o lobista da Raytheon junto aos parlamentares.
A ação de Fernando Henrique não foi, em momento algum, de defesa de um sistema de vigilância da Amazônia. Nem da modalidade de sistema projetada em conjunto pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, órgão da própria Presidência da República, pela Aeronáutica e pela empresa Esca. O peso da Presidência foi empenhado, declaradamente e sem restrições éticas no uso de instrumentos de governo, na entrega do empreendimento à empresa americana.
O Banco Central foi utilizado, e ninguém acreditará que sem ordem para tanto, no arranjo urgente de um pretenso comprador do Banco Econômico, para apaziguar o senador Antônio Carlos Magalhães, que acumulava a presidência da comissão senatorial do Sivam e a liderança pública da resistência ao projeto marcado por irregularidades e imoralidades. O Sivam foi aprovado na comissão senatorial, mas a venda do Econômico ainda não saiu. E não consta que, no BC, alguém acredite que seja feita ao comprador anunciado. Era o governo usado como instrumento de lobby.
E usado outra vez na repentina abertura dos cofres do Tesouro para verbas destinadas ao território eleitoral do senador Ramez Tebet, relator do Sivam-Raytheon na comissão senatorial. Tantas vezes responsável pelo realce das irregularidades e ilegalidades, para conhecimento público, o senador relevou-as todas na hora final do relatório.
O governo temia que, nessa hora final, o senador Gilberto Miranda exibisse, como alguns sopravam, mais documentos comprometedores do Sivam-Raytheon. Desde então, o senador ficou informado de que sua riqueza, sempre objeto de polêmica, se tornava agora objeto de devassa por parte da Receita Federal.
Ninguém imaginaria que a Receita Federal agiu por iniciativa sua. Para que nem uma leve dúvida surgisse a respeito, a devassa foi aplicada também a outro parlamentar: o sempre recalcitrante nos apoios ao governo e aliado político de Gilberto Miranda, senador Jader Barbalho. A escolha nem deu margem à hipótese de coincidência.
Presidentes já usaram o cargo para servir a interesses privados -e que interesses, às vezes. Mas não tinha havido, jamais, lobismo explícito por parte de um presidente, como se tem visto no caso Sivam-Raytheon. Ações lobistas são comuns, tanto junto a parlamentares como a integrantes de governo. Mas jamais o lobismo dispusera do comando direto dos meios de governo para submetê-los ao seu objetivo.
A impressão de que Fernando Henrique Cardoso falou de lobistas com conhecimento do assunto não foi, porém, a única nem a maior provocada por suas considerações. O contraste entre a irritação dos parlamentares e a frouxidão de suas reações, se não basta para comprovar a sua mera condição de lobistas disfarçados de deputados e senadores, mostra o quanto a falta de noção de dignidade os faz, mesmo, passíveis de ataques. Ah, que imperdoável é o feminismo pelo banimento de uma expressão tão útil, pelo poder de síntese: "Está é faltando homem nessa história". Ou nesse Congresso.
O que restará da acusação de Fernando Henrique aos parlamentares em geral é que, ainda por outro modo, o lobismo o incluirá. O seu direito à reeleição será aprovado, presumindo-se que o seja, pelos parlamentares que, por serem lobistas, só servem aos interesses que não são o do país -no dizer do próprio Fernando Henrique. Logo, a reeleição e o próprio direito só poderiam beneficiar a quem seja lobista a serviço dos parlamentares-lobistas, e não do país.

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